2005/11/01

O terramoto de Lisboa (2)

Continuação do post anterior "O terramoto de Lisboa".

"Continuaram os tremores de horas a horas com menos violência, mas com igual horror, temendo-se que a terra se abrisse com a veemência de tantos abalos. Comunicado o fogo ao castelo correu uma voz que se retirassem todos dos subúrbios da cidade, pelo perigo de pegar à pólvora que ali se achava, e matar os que tinham escapado ao terramoto. Com este susto fugiram quase todos para fora da cidade aquela noite, para uma ou mais léguas.

"Atribuíram-se depois estas vozes a alguns homens malvados, que quiseram ver a cidade desamparada para roubarem o mais precioso que havia nas casas. Causou este boato uma grande ruína, porque, podendo-se em algumas partes atalhar o fogo correu este livremente, destruindo tudo quanto o terramoto havia perdoado, achando-se uma grande parte dos moradores de tão populosa cidade com as suas casas inteiramente consumidas, sem delas poderem salvar mais coisa alguma que suas pessoas.

As religiosas, abertas as clausuras pelo temor das ruínas, que experimentaram os seus mosteiros, procuravam, divididas, ou os ou os campos para o refúgio. Algumas, refugiadas nas cercas dos seus conventos, esperaram clausuradas a misericórdia de Deus. Vagavam por as ruínas os sacerdotes, tanto regulares como seculares, absolvendo a uns, agonizando a outros.

O senhor rei D. José e toda a real família se achavam em uma das reais casas de campo de Belém (excepto o senhor infante D. Manuel que habitava o real Palácio das Necessidades), que não tiveram ruína, e saíram para o campo, onde se formaram grandes barracas de campanha, em que viveram alguns meses, enquanto se não fez o Palácio da Ajuda fabricado de madeiras, que depois ardeu em 10 de Novembro de 1774,. onde em seu lugar se fez o grandioso palácio que ainda não está concluído. O senhor infante D. António mandou fazer na real Quinta da Tapada de Alcântara duas barracas de madeira, como diremos quando tratarmos da sua morte.

Passada a primeira noite em fervorosos clamores e continuados sustos, cresceu a aflição em todos, experimentando a falta dos cabedais, que perdiam, e cuidadosos dos parentes, que lhes faltavam; dispersas a maior parte das famílias, choravam uns a falta dos outros.

Continuava o fogo a devorar aquelas coisas, que o terramoto não havia prostrado; e os ladrões, sem temor de Deus, e dos seus castigos, à vista deles entravam pelas casas e delas tiravam os cofres de dinheiro, as jóias e a roupa. Muitas famílias, cujas habitações não arruinou o terramoto, nem destruiu o fogo, ficaram pobres pelos roubos: atribuíram-se estes a muitos forçados das galés, e criminosos, que então saíram das prisões"...

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