2015/08/21

Bento de Jesus Caraça, um homem que abençoava as ilusões

Intervenção de Helena Neves 

na Iniciativa do Movimento Não Apaguem a Memória - NAM em parceria com campOvivo, em 5 de Janeiro de 2015, na Padaria do Povo, onde funcionou a Universidade Popular entre 1919 e 1948

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Há cem anos, nasceu uma criança do sexo masculino que, diriam mais tarde as velhas mulheres, parecia fadada por uma estrela. Estrela, sem dúvida, contraditória. Porque, se cedo se evidenciou que a sua sorte seria diversa daquela a que a origem social o destinava, e a sua vida se afirmou, desde a infância, como conquista de espaços cada vez mais amplos, o seu tempo seria breve. Ao morrer, 47 anos depois, o adulto que foi esse menino diria, segundo testemunho do sobrinho, «tão pouco tempo...» Tempo breve mas intenso. Marcando a sua época. E a nossa ainda.
 Falamos de Bento de Jesus Caraça, filho de trabalhadores rurais, nascido a 18 de Abril de 1901, em Vila Viçosa.
A morte tocou-lhe à nascença. Conta a irmã, mais nova, Filomena Caraça, que a mãe, aflita, vendo o menino a finar-se, correu à igreja a baptizá-lo, sem pensar sequer que nome pôr-lhe. Acudiu-lhe o padre, sugerindo Bento de Jesus. Mais tarde, Bento Caraça ironizará em resposta a uma crítica ao seu trabalho em O Diabo, jornal da frente intelectual mais radicalmente oposicionista e plataforma do movimento neo-realista. «Um articulista de Beja descobriu numa hora de ócio que há uma quase contradição entre o meu nome tão católico (sic) e o meu ingresso nas hostes diabólicas (re-sic). Que quer amigo? Fui baptizado à pressa e com um escasso mês de idade. Razões por que se julgaram dispensados de me consultar...»
Levado aos dois meses, pelos pais, para a Aldeia de Montoito, no Redondo, onde o pai é feitor da Herdade da Casa Branca, dá aí os primeiros passos e conhece, com pouco mais de 4 anos, as primeiras letras ensinadas por um trabalhador errante, desses que sazonalmente chegavam ao Alentejo, este trazendo, no pouco de seu, uma cartilha  escolar. Impressionada com a inteligência do menino, a senhora da herdade, D. Jerónima, torna-se «sua protectora»: assim assinará as cartas e postais que lhe escreve, até morrer, para os diferentes lugares para onde o envia a aprender a ser diferente: um homem culto.
 É neste percurso protegido que Bento Caraça passa pelo Liceu Sá da Bandeira, em Santarém, e, em 1915, se encontra no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, espaço de descoberta de amigos, como Luís Dias Amado, tornado quase irmão, e Carlos Botelho, pintor da cidade e dos seus entardeceres; espaço de encontro com o amor através de Maria Octávia, filha do professor de matemática, Adolfo Sena; e limiar... (continua aqui)