As estações do Metro da capital soviética (agora da Rússia) eram o cartão de apresentação da cidade e também a mim elas causaram uma surpreendente e favorável impressão quando pela primeira vez cheguei a Moscovo, em Janeiro de 1965.
As impressões, boas ou más, estão muito condicionadas pelos "pré-conceitos" que transportamos connosco. Mais do que tirar essa conclusão aos 28 anos, na segunda vez que visitava a URSS, agora por um período de nove meses, confirmava-a diariamente ao confrontar as minhas impressões e das portuguesas minhas colegas no curso do Konsomol com as de alguns colegas italianos do PSIUP, um pequeno partido "compagnon de route" dos comunistas. Onde nós estávamos sempre prontos a exaltar as maravilhas da sociedade soviética eles, um dos grupos do nosso círculo de amigos, eram frequentemente, ainda que nem sempre com razão, muito críticos.
O uso, frequente, uma ou duas vezes por semana, da Electrozavodskaya, banalizou a sua imagem e retirou aos nossos olhos os brilhos que a fotografia ostenta.
Os bilhetes, 5 copecks, 5 cêntimos de rublo, eram baratos e davam para viajar nas muitas dezenas ou talvez centenas de quilómetros da rede do metro.
Quanto a bilhetes o que nos impressionava era não haver praticamente nenhum controlo, nos autocarros. Cada passageiro entrava pela porta de trás e retirava, se quisesse, o bilhete de um dispensador mecânico. Concluí que havia um certo controlo social. Se alguém se esquecia ou retardava, era olhado significativamente ou mesmo advertido para tirar o bilhete.
A mim e às duas colegas que comigo constituíam o grupo dos portugueses (nesse ano de 1966/67 só de 3 alunos) foi dado um passaporte soviético que nos dava liberdade de movimentos num raio de 80 ou 100 Km em redor de Moscovo e munidos de tal documentos íamos a Moscovo à ópera ou ao ballet no Teatro Bolshoi ou no Palácio dos Congressos, no Kremlin, a concertos musicais na célebre Tchekovskaya Zal, a museus, ao teatro de marionetas, ao circo e até, uma vez ao futebol.
Dizíamos que éramos brasileiros aos soviéticos com quem eventualmente falávamos (uns meses de lições diárias já nos permitia falar) nos passeios por Moscovo. Na Escola eu era Carlos, a Maria Machado, Leonor e a Mariana era Ana.
Assistimos nesse ano à exibição de alguns dos maiores solistas do mundo, no piano como Sviatoslavsky Richter (talvez se escreva assim) ou David e o filho Igor Oiastrak no violino e o primeiro, depois, na regência de orquestra ou Plisetskaya no ballet.
Ou íamos ao GUM, uma espécie de armazém gigante do Grandela onde tudo tinha um ar antiquado e onde imperava, como em todo o comércio, a lógica não da pressão da oferta sobre a procura mas a inversa. Havia rublos mas a oferta ou era limitada ou era pouco apelativa e "demodé".
Também frequentávamos os restaurantes caros dos hotéis que não eram assim tão caros. E por vezes íamos a restaurantes georgianos ou arménios onde se podia comer essa coisa estravagante que aqui em Portugal chamamos azeitonas . E comprávamos discos de música a preços impressionantemente baixos.
Quando deixávamos o Metro em Electrozavdskaya apanhávamos o comboio suburbano até Vichnyki. Aí via sempre à volta da Igreja Ortodoxa, pequena mas muito bonita, vários crentes, em geral mulheres idosas réplicas perfeitas das célebres matrioscas. Depois apanhávamos um "taxi", uma carrinha de dez lugares, um tanto avelhada, para os 4 ou 5 km que nos separavam do complexo escolar, num bosque de bétulas paradisíaco.
Paradisíaco era qualificativo que provinha de muitas fontes. Por um lado porque comunistas vindos da clandestinidade em Portugal, os três, eu com 28 e as raparigas com 17 e 18 anos, estávamos em segurança, longe da PIDE, por outro, eu acabara de passar em Portugal longos meses de abstinência sexual e ali havia centenas de raparigas de todos os continentes (e hela, não havia sida! Essa maldição recente. Mas recomendaram-nos logo, particularmente às raparigas que não faziam abortos a quem fosse originário de país em que ele não fosse permitido, como aliás era o caso de Portugal) Depois o convívio, a troca de informação política e cultural, entre jovens de dezenas de países, culturas e situações políticas muito distintas, era um verdadeiro banquete espiritual. Também ajudava a região e a floresta serem muito bonitas e haver ali à mão, ginásios, desporto, piscina, cinema, música e baile (ao Sábado à noite, depois dos seminários da parte da manhã em que prestávamos provas sobre a matéria da semana), passeios pela floresta, ou ski no inverno.
Electrozavodskaya, portanto, é isto!