2006/09/22

Com Álvaro Cunhal no funeral de Tito

Estive duas vezes na ex-Jugoslávia com Álvaro Cunhal. A primeira ainda antes de 25 de Abril de 1974, com a presença, também, na delegação do PCP, de Pedro Soares (falecido num acidente em 13 de Maio de 1975).
Mais tarde na era pós-Jusgoslávia estive mais duas vezes nesta zona dos Balkãs. Na Bósnia, de visita às tr0pas portuguesas e outra vez na Sérvia, partícipe de uma equipa internacional de fiscalização de umas eleições que foram dadas como livres e justas. Histórias para outra altura.
Na primeira visita, (encontrámo-nos em Belgrado. Eu ido clandestinamente de Portugal, Pedro Soares da clandestinidade na emigração, talvez de Roma e Cunhal julgo que de Paris) no decorrer do encontro com a delegação da Liga dos Comunistas da Jugoslávia Cunhal apresentou-me como um combatente da luta armada, na clandestinidade, em Portugal. Foi uma referência à ARA e creio que o fez ali atendendo à relevância dada pela Liga ao seu passado de luta armada contra Hitler durante a II Guerra Mundial.
A segunda visita teve lugar em Maio de 1980 e partimos, legais! de Lisboa. Cunhal conversou quase toda a viagem que fizemos de avião sobre histórias do seu passado na guerra civil de Espanha. Coisa rara falar de si.

O funeral de Tito foi uma das maiores concentrações de dirigentes políticos e chefes de Estado de todo o mundo. Para quem goste de números: 209 delegações de 137 países e segundo a Time: four Kings, 32 Presidents and other heads of state, 22 Prime Ministers, more than 100 secretaries or representatives of Communist or workers parties.
Estava a Senhora Tatcher, o vice-presidente dos EUA, Walter Mondale, com uma grande e vistosa delegação, Hua Guofeng, presidente da China, com não menos chineses, Breznev que já estava doente e envelhecido. Ia praticamente levado em braços por dois ajudantes e o único que teve de ser sentado num cadeirão para evitar os assentos baixos da grande tribuna, no jardim interior, junto ao mausoléu. Também se evidenciavam o rei de Espanha Juan Carlos e o chefe do Governo Adolfo Suarez, Arafat, Sadam Hussein, Kadafi e muitas figuras políticas de todo o mundo.
De Portugal lembro-me de ver o Presidente Eanes, o primeiro ministro Sá Carneiro, e creio que estavam também Mário Soares e Otelo, entre outros.

Recordo-me de seguir num carro oficial com Álvaro Cunhal, numa das avenidas de Belgrado, a alta velocidade, batedores com sirenes a fazerem um chinfrin incrível e afastarem todo o trânsito. Cunhal segredou-me: "vês! Eis um exemplo da arrogância do poder."
Uma das cerimónias fúnebres era o desfile no Palácio das Flores perante a urna de Tito com um minuto de silêncio e uma vénia. Não gosto muito de vénias e quando têm de ser feitas procuro evitar excessos. Em momentos como aqueles avançando lentamente com a fila inventamos maneira de passar o tempo e dei comigo a medir as flexões para ver se correspondiam à identificação política. Por exemplo, vaticinei Sá Carneiro a fazer apenas uma ligeira inclinação da cabeça mas enganei-me, não foi avaro na vénia.
Nestas cerimónias públicas, de políticos como de outras estrelas, percebe-se logo quem tem experiência ou é novato. São, por exemplo, aqueles momentos informais e sem arrumação protocolar na presença das sôfregas televisões e batalhões de fotógrafos. É ver os menos conhecidos a correrem para junto dos que atraem todas as atenções para também ficarem na fotografia.
Álvaro Cunhal conseguia não ser ignorado mas com tanto Chefe de Estado e de Governo nada que se parecesse com a atracção que suscitava nas reuniões restritas ao universo comunista.
Reparei na arte de, sem se dar por isso, Cunhal acabar por estar com muita frequência nos locais onde as luzes mais incidiam. Quase naif era o esforço de algumas figuras, muito importantes noutras circunstâncias e lugares mas que ali ficavam esquecidas, para se chegarem à frente ou cruzarem com estrelas de primeira grandeza para um efémero momento de glória.




Margaret Thatcher

Sadam Hussein