Manuel Serra faleceu na 2ª feira e o seu corpo será incinerado hoje às 16 horas no cemitério dos Olivais.
Manuel Serra foi um dos grandes lutadores contra a ditadura. Esteve em 1961 na revolta da Sé e em 1962 na tentativa de Golpe de Beja no qual chefiava a componente civil enquanto o então capitão Varela Gomesa dirigia a componente militar.
Ludibriou a PIDE com fugas espectaculares mas acabou por passar cerca de 12 anos nas cadeias fascistas.
Foi na juventude dirigente da Juventude Operária Católica e a seguir à revolução de 25 de Abril de 1974 aderiu ao PS mas abandonou-o quase de seguida.
Dele ficou para os portugueses a imagem do revolucionário "romântico" e corajoso. Tinha 78 anos.
A fotografia, que copiei daqui - onde se pode saber mais sobre a vida de Manuel Serra - é, conforme ali se menciona, de Rui Daniel Galiza e João Pina em Por teu livre pensamento. Histórias de 25 ex-presos políticos portugueses, Assírio & Alvim.
Jô Soares veio a Portugal e trouxe o seu espectáculo Remix em Pessoa.
ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham de mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças,
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino.
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas)
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo
do alçado -,
As Tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje não faço anos.
Duro.
Somam-se-me os dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...