2005/07/16

Cunhal visto por Urbano

Urbano Tavares Rodrigues, "provavelmente o melhor amigo de Álvaro Cunhal" ofereceu-nos, na entrevista que deu a Judite de Sousa, na RTP, em 2005-07-13, não o Cunhal que todos conhecemos mas talvez o que ele - ilustre intelectual comunista não sectário - gostaria que Cunhal tivesse sido.

Urbano diz-nos que Álvaro Cunhal conhecia as chagas do socialismo real e que tinha para o socialismo que ambicionava para Portugal concepções muito diferentes, nomeadamente com democracia e pluralismo partidário. Questionado por Judite de Sousa explicou que nunca denunciou tais falências para não dar armas ao imperialismo.

Oh Urbano! (Intelectual, cidadão e amigo que muito admiro e estimo) isso eram coisas que Cunhal dizia mas... repetir isso não será diminuir o revolucionário? Aquele Cunhal de raízes bem assentes nos anos trinta, quarenta e sessenta do século passado? É pelo menos uma versão social-democratizante do Grande Cunhal e um labéu (no interior do partido de Jerónimo de Sousa) que praticamenmte o atiraria para o rol das "folhas secas".

Sugestionado pela amizade que o unia a Cunhal, Urbano Tavares Rodrigues conta-nos que Cunhal apoiou a Perestroica de Gorbatchev e que desta só condenou o rumo que, no final, este lhe deu?
Cunhal até podia dizer isso. Mas só para consumo externo. No entanto - oh meu querido amigo Urbano! - vistas as coisas com olhos que habitaram a Soeiro Pereira Gomes, nada mais longe da realidade!

Assisti dia a dia, durante os quatro anos que a Perestroica durou, às reacções de Cunhal e dos outros velhos (e novos!) dirigentes do PCP. Cunhal e a grande maioria daqueles continuavam, por necessidade a incensar a União Sóviética, a grande rectaguarda, mas tiveram relativamente à Perestroica sempre as maiores reservas e antipatia. Uma antipatia à flor da pele, reacção típica a um corpo estranho, seguida depois por uma crescente ainda que reservada condenação, muito antes ainda de se adivinhar a queda de Gorbatchov e o fim da União Soviética.

Outra coisa não seria de esperar. Nem é justo negar-lhes o "feeling", a clara percepção de velhos e experientes "revolucionários bolcheviques" de que aquilo ia desfigurar, senão acabar com o verdadeiro, o único, socialismo real existente, questionar a prática do PCP, pôr em causa a cartilha marxista-leninista, bíblia do partido e principalmente "retirar o tapete" à direcção do PCP, com Cunhal à cabeça, à semelhança do que sucedeu com todos os líderes comunistas que não se reciclaram imediatamente a seguir ao 20º Congresso do PCUS que denunciou o estalinismo.

Podemos anuir em que Cunhal e a direcção do PCP aceitaram a Perestroica nos seus primeiros (muito iniciais) momentos na estrita medida em que admitiam que ela não passava de mais uma operação de cosmética. Para mobilizar as massas. Mas muito cedo todos perceberam que a Perestroica não era, afinal, cosmética e que iria mudar "aquele socialismo".

Até 1989 ninguém admitia, nem os "sovietólogos", nem a CIA, nem mesmo Vasco Pulido Valente, com a excepção talvez do KGB, que aquilo ia dar no que deu. Cunhal e o PCP eram esclarecidos adeptos de um socialismo de rosto humano para Portugal. Não tanto por sensibilidade ou natural simpatia mas por óbvia estratégia. Se fosse possível!!! Assim como aquele pai portuga dizia ao filho que, no século passado, apertado pela miséria se via obrigado a emigrar para as Américas: filho vai. Vai e enriquece. Honestamente! Se possível.

2005/07/12

Alcatruzes...



Alcatruzes em descanso é o título desta fotografia em Click Portugal um blog que oferece Portugal em fotografias, de Platero um visitante e comentarista do Puxa Palavra.
Conheci estas armadilhas (que são armadilhas! Os polvos que o digam) na praia de Olhos de Água, no Algarve, no fim da década de 70.
O meu amigo Leonel, pescador, político e lídimo representante da sua classe, levou-me por gentileza, no barco àquele colar de brancas pérolas que pontuavam o mar, lá longe, numa extensão de um quilómetro.
Ali ele deixou de remar e enquanto o barquito se entretinha a baloiçar nas águas tépidas Leonel deitou mãos à corda que as águas escondiam e puxava como quem tira água de um poço, um alcatruz atado na sua profunda extremidade. Depois remava uns metros e puxava outra corda vertical atada à corda mestra sustentada à superfície por pequenas boias.
Alcatruz numa mão, a outra arrancava-lhe do fundo, cá para fora, um polvo que, fiado nos homens, ali se abrigara.
Os mil braços do polvo enrolavam o braço do Leonel e ele com a outra mão onde faiscava uma pontiaguda navalhinha, com a naturalidade de quem tem de tratar da vida e não tem tempo para pensar em tragédias de cefalópode enterrava-lha na cabeça, entre os olhos.
O polvo que gostosamente comemos grelhado com batata a murro, azeite e alho, então, rendia-se. Desfalecia. Os mil braços largavam lentamente o pulso do meu amigo pescador e uma onda branca crescia, em círculos, da cabeça para os tentáculos e desmaiava, deixando-o exangue, o incauto polvo.
Nem todos os alcatruzes tinham "peixe" mas muitos abrigaram traiçoeiramente quem deles, por um momento, teve necessidade.
Depois voltámos. Leonel conversava muito satisfeito com a sorte e eu que não o ouvia olhava ao longe a aldeia de pescadores donde largámos, a oscilar, para cima e para baixo, em tranquilo compasso.
Quantos quilos dará? Multiplicava Leonel.
Quantos de nós não passamos de polvos de dois braços? Esforçava-me eu por entender.

Um homem do mundo



O Alexandre Narciso tem belíssimas fotografias no EELKO VAN MULDER e no Crónicas de Um VagaMundo que lhe sucedeu e também interessantes relatos das sete partidas do mundo que ele
por razões profissionais incansavelmente percorre. Roubei-lhe a fotografia apesar de não ser fácil reproduzi-las. Boa viagem Caro Amigo.