2005/07/03

Ao cuidado do ministro António Costa

Ministro das polícias mas também da reforma da Administração Pública.
Já vos tenho confidenciado conversas, muito úteis aliás, com o meu vizinho, o Senhor Antunes. Este Sábado ia ler o jornal no aconchego de uma bica, no nosso café preferido, ali no largo e lá estava ele.
O Sr. Antunes mudou há pouco para este bairro e contou-me muito à puridade: não espalhe por aí porque o Governo já tem que baste, mas mudar de casa é uma odisseia!
- A trapalhada das mudanças, ajudei eu, fazendo-me entendido.
- Oh amigo não é nada disso, as mudanças foi um dia! São as formalidades para poder pôr tudo em ordem e viver em paz.
- Como assim?
- Olhe, tenho direito à isenção do IMI, a antiga siza, fui à repartição de finanças.
- E então? Uma bicha enorme...
- Isso foi o menos, nem tinha muita gente. Fui muito bem atendido mas a Senhora recomendou-me, tem de trazer uma declaração da Segurança Social que prove que não deve nada. Resolvi ir à Loja do Cidadão. Aí sim a bicha foi duas horas. Mas como há a senha, fui ao café, fiz umas compras e tal. A funcionária às tantas pergunta-me: também foi trabalhador independente (TI)?
- Também, mas coisa de nada, ao mesmo tempo que trabalhava para o patrão.
- Tem de ir às Finanças e trazer um comprovativo do período em que esteve inscrito como TI.
- Então e a Senhora não pode ver isso aí no computador?
- Tenho muita pena mas não há comunicação.
Na semana seguinte voltei às Finanças e lá me deram o papel. A troco de 4,46 € e duas bichas. Uma para comprar o papel na tesouraria e outra no andar de cima para o funcionário me atender. Foi muito simpático porque queria que eu lá voltasse no dia seguinte mas depois dum escarcéu dos diabos em que pus o Governo pelas ruas da amargura atendeu-me logo ali.
Na semana seguinte voltei à Loja do Cidadão. Para a Segurança Social, ali, as bichas são sempre de horas mas já levava um livro. Foi óptimo porque me atendeu a mesma funcionária já quase amiga. Dei-lhe triunfante o papel das Finanças e estendi-lhe logo a outra mão para ela me dar a declaração de que não devo nada.
- Ah... mas há aqui um problema. É que há um período em que você foi TI e não estava a descontar para a SS.
- Pois, aclarei logo, é que aí eu estava na função pública e descontei para a CGA. Ora veja lá!- pedi-lhe eu para ela ver no computador.
- Pois é, mas não temos comunicação, não temos acesso à CGA.
Face ao meu mortal desapontamento a Srª disse logo mas não há problema é só descer as escadas e em frente está o balcão da CGA.
Fui à mulher da CGA. Confirmou logo. Está, está sim senhor, está aqui.
- Óptimo - disse eu - então faça-me o favor de comunicar lá para cima para a sua colega da Segurança Social.
- Oh vizinho - dizia-me consternado o Senhor Antunes que, tão longa a história não me deixava ler o jornal - você não faz ideia a cara de espanto e reprovação da funcionária: Isso não é assim! O sr tem de ir ali comprar o impresso paga 7,05 € e eu preencho, e porque torna e porque deixa. Obedeci. Que remédio! Fiquei à espera mas ela depois de me pedir uns dados disse, agora o Sr recebe a informação em sua casa daqui a 10 dias. Aí amandei-me ao ar. Raios e coriscos mas em que m... de mundo estamos que não pode dizer ali para a sua colega! Então vou-lhe pedir para ela vir cá abaixo ver no seu computador.
- Advinhe o que aconteceu?
- ?
- Pois vai a mulher zanga-se comigo. Que há regras e as coisas não podem ser como eu queria e tal. Fui à outra lá de cima, à da SS, mas só para me queixar da colega da CGA e mais uma vez protestar contra o sistema.
O papel da CGA levou 15 dias a chegar e uns dias depois lá voltei à Loja do Cidadão e à SS. A senhora já me conhecia e com pena de mim fez de conta que não estava a ultrapassar ninguém, chamou-me ali de lado e disse vá dê-me lá o papel que despacho-o já. Aguardei. Pode ir embora já está tudo, disse-me ela.
- Tudo como? Quero o papel a dizer que não devo nada.
- Ah, não é assim. Vá descansado que vai pelo correio. Dez dias e tem-no lá.
Ela fez-me aquele favor não tive lata de protestar mais. Meti o rabo entre as pernas e vim embora.
- Sabe o que é que aconteceu?
- Eu não - respondi lépido ao Antunes, a adivinhar desgraça.
Passados não dez mas quinze dias veio o papel mas não dizia preto no branco, como eu queria, que não devia nada. Falava nuns decretos mais uns artigos e que agora estava tudo legal até que a situação se alterasse. Achei esquisito. Raio, será que me enviaram o papel errado?. Vou à loja do Cidadão ou vou às Finanças? Fui às Finanças. Assim como assim se o papel fosse bom ficava logo o caso arrumado.
Bicha, o costume. Agora diz-se fila, por causa dos brasileiros que acham que bicha é outra coisa. O Homem das Finanças até se rio, não é nada disto, conheço muito bem o papel, já hoje recebi três.
Escoroçoado voltei, uns dias depois, à Loja do Cidadão. Mas já sem força nem vontade para protestar. Já estava por tudo.
Esse papel - esclareu-me um homem, desta vez era um homem, depois de mais de uma hora de espera - essse papel é a dizer que depois da informação que nos trouxe das Finanças o seu registo na SS como TI está perfeito.
- E então o papel de que preciso para pedir a isenção do IMI?
- É porque ainda não chegou?
- Mas se era 10 dias e já lá vão mais de 15?
- Há-de chegar.
Em resumo, oh vizinho - contava-me o Senhor Antunes, já completamente insensível à burocracia, esvaído de forças - tinha um prazo de 60 dias para o IMI... julgava que era demais e afinal não me vai chegar. Já lá vão quase dois meses agora devia partir de férias e o papel não chega. Aqui para nós, conhece lá alguém no Governo?