Acho muito estranhas aquelas florzinhas azuis, dos jacarandás que habitam a minha rua. O tamanho não se avantaja ao da falangeta do meu indicador. Frágeis, vestidas com aquele veuzinho azul, seda? cetim? guardam lá dentro, o gineceu e o androceu. Mercê dos dons da Natureza, ou de Allá, se seguirem as regras de mafona, fecundarão e transformarão um migalhinho de gente nestes surpreendentes, enormes rapagões, os bugalhos que ali vemos.
Acho muito esquisito. Pintinha minúscula, discretamente cresce, cresce, engrossa, engrossa, faz-se casca grossa, rija que nem carvalhiça. Primeiro fechada que não há diabo que a abra. Só o calor a pouco e pouco a demove. Então, reticente ainda, lá vai abrindo aquela bocarra e mostra aladas de fina membrana, sementes prontas a voarem para longe com o vento.
Mas por mais explicação que a Deolinda que é minha vizinha, amiga e bióloga, me dê, garantindo que tudo se passa de acordo com a Natureza, acho muito estranho. E acho muito estranho porque as árvores são minhas vizinhas e andam por ali todo o ano comigo, ainda que apenas no seu espaço vital e nunca vi essa transformação bizarra de frágeis e bonitas florinhas nestes tropeços feios e grossos que ora se pavoneiam lá ao alto ora, com a chuva, no inverno, se estatelam estrondosos na calçada dos passeios e ali ficam prostrados até que a limpeza camarária ou algum vizinho se compadeça da sua pouca sorte.
Mas estes jacarandás não me voltarão a surpreender. Hei-de espreitá-los e ver com estes que a terra há-de comer como é que flores tão sensíveis e de azul tão etéreo se transformam em cascos duros de ungulígrado e cor oposta. Será pela calada da noite? Será nos dias chuvosos de inverno em que não olho para o alto, para os braços nus das árvores despidas? Vou estar atento e a olhar todas as noites, porque estou certo que é pela calada da noite que elas pregam a partida.e vou surpreender o dom maternal da fecundidade.