2016/12/13

Visita à Fortaleza de Peniche no Dia Internacional dos Direitos Humanos

Intervenção de Raimundo Narciso, em nome do Movimento Cívico "Não Apaguem a Memória" - NAM no almoço que se seguiu à visita ao Forte de Peniche, no dia 10 de Dezembro de 2016. Intervieram em seguida Teresa Gago em nome da Plataforma Cascais e José Pedro Soares dirigente da URAP.

Que nos trouxe, hoje, aqui à Fortaleza de Peniche no Dia Internacional dos Direitos Humanos?

A Plataforma Cascais, que está na origem desta visita à Fortaleza de Peniche que hoje aqui nos reúne, convidou o Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória” que prontamente aceitou participar na sua organização. A visita tem, aliás, o apoio nomeadamente da Associação 25 de Abril e de Vasco Lourenço, de José Pedro Soares do Conselho Directivo da URAP, do director do Museu do Aljube, professor Luís Farinha ou do director do Centro de Documentação 25 de Abril, professor Rui Bebiano, de ex-presos políticos que não puderam aqui estar, como o historiador António Borges Coelho ou o tarrafalista Edmundo Pedro, e muitos outros ex-presos, familiares, cidadãos em geral.
O que nos trouxe hoje aqui, no Dia Internacional dos Direitos Humanos? 
Foi a decisão de homenagear os ex-presos políticos que neste presídio sofreram violências inauditas por terem lutado pela liberdade, pela democracia, por uma vida melhor do povo trabalhador. Foi a decisão de homenagear todos os que, em quase meio século de ditadura, lutaram abnegadamente por um país livre.

Trouxe-nos aqui a vontade de homenagear o povo de Peniche que nessa longa e tenebrosa noite política se solidarizou com os presos e apoiou as suas famílias que em ambiente de violência, medo e precariedade aqui os vinham visitar.
Estamos aqui para defender e valorizar o futuro deste grandioso monumento como ícone nacional da resistência de um povo que aspirava à liberdade, no âmbito da defesa da Memória histórica dos Portugueses e por conseguinte da preservação da sua identidade como povo e como nação.

E estamos aqui para defender e apoiar a Fortaleza de Peniche como um inalienável bem pertença de Peniche e dos seus habitantes que justamente com o apoio da sua CM e do seu presidente, António Correia, querem que esteja também ao serviço da sua comunidade e do desenvolvimento local.
A projeção nacional e importância histórica e identitária da Fortaleza de Peniche obriga o poder central, os governos, a Assembleia da República a assumirem as suas responsabilidades na defesa deste valioso património, na sua conservação física, no apoio à transformação do núcleo museológico num verdadeiro museu que pode ter várias valências, mas em que a principal seja, sem dúvida, a que diz respeito à antiga prisão política do salazarismo, à valorização do heroísmo dos que aqui sofreram e do significado da sua luta mas também sobre a história da Fortaleza na estratégia da defesa do território e o museu poderá eventualmente ter outras valências que os grupos de trabalho a criar pelo Estado Central e a CM de Peniche bem entendam.
A Fortaleza deve igualmente ser vista como um bem para o desenvolvimento local, o que implica que se estude que serviços ou actividades se podem estabelecer no espaço da Fortaleza, criando postos de trabalho e tornando-a local aprazível para fruição da comunidade local sem que isso choque ou contradiga o essencial, o carácter museológico e de referência histórica da Fortaleza.

Estes objectivos de carácter predominantemente local devem estar ligados a outro objectivo central, o da sustentabilidade financeira deste complexo monumental. Se é certo que grande responsabilidade caberá ao poder central todos sabemos que isso não é garantia suficiente para a sua conservação ao longo do tempo e para a valorização da actividade museológica.

Uma orientação que nos parece ser de privilegiar e vai no sentido das metas acima apontadas é a de incluir a Fortaleza no circuito turístico cultural no âmbito  nacional e internacional, à semelhança de muitos outros locais de referência, por essa Europa fora.  Exigirá isso um esforço de promoção organizado e permanente.
O NAM, a Plataforma Cascais a URAP e outras associações e movimentos que já manifestaram apoio a esta causa poderão dar uma ajuda nesse sentido. O NAM procurou através das suas ligações saber da possibilidade de a CM de Peniche poder candidatar-se a projectos da União Europeia para a valorização da Fortaleza e concluiu numa primeira abordagem que há programas com esse fim e isso é possível.
Procuraremos também exercer influência pelos meios ao nosso dispor no sentido de sensibilizar os poderes públicos a assumirem as suas responsabilidades para com este importante monumento Nacional.
Uma última observação. A defesa da Memória Histórica da luta pela liberdade no regime fascista é o objecto da nossa associação o Movimento Cívico Não Apaguem a Memória. A defesa da memória, desta Memória dos que lutaram por um Portugal democrático e um mundo melhor, mais justo e mais digno, não é uma atitude de quem quer estar irremediavelmente virado para o passado mas de quem, conhecendo o passado e dele retira lições, melhor se pode orientar no presente e no futuro na luta por uma vida melhor, mais justa e menos desigual.

Não estamos, é certo, confrontados hoje em Portugal com o fascismo apesar dos  sinais por esse mundo fora começarem a ser preocupantes.
As desigualdades sociais, o abismo das desigualdades sociais, que se tem vindo a acentual de forma brutal nas última décadas na EU e na maior parte do mundo, constitui hoje o principal factor gerador de crises económicas, crises sociais e de guerras.
O avolumar das desigualdades é centro de preocupação e de estudo de grande número dos mais clarividentes académicos e dos mais responsáveis políticos. Cito apenas alguns nomes que constituem referência mundial, como os prémios Nobel Joseph Stiglitz e Paul Krugman ou, quem diria! a própria presidente do FMI Christine Lagarde que em Maio de 2014, numa conferência em Londres, ao denunciar os perigos da desigualdade usou esta imagem:

“aqui num destes vossos autocarros londrinos de dois pisos cabem os 85 homens mais ricos do planeta que possuem tanta riqueza como a metade da humanidade mais pobre, tanto como 3 mil e 500 milhões de pessoas.“

Ou entre nós, por exemplo o professor Eduardo Paz Ferreira, de que refiro apenas o seu último livro “Por uma Sociedade Decente”. E que pensar da situação em Portugal, quando em 2012, um ano de perda nos salários, perda nas reformas, de grande empobrecimento de milhões de portugueses, nesse mesmo ano, de acordo com o "Relatório de Ultra Riqueza no Mundo - 2013", do banco suíço UBS, os 870 multimilionários portugueses aumentaram as suas fortunas de 90 para 100 mil milhões de dólares. A riqueza que falta a milhões de empobrecidos é a que se transferiu para o bolso de umas dezenas.

Hoje o essencial do assalto, do roubo que eram o objecto das guerras, não se faz como na idade Média, com espadas e cavalaria ou como nas guerras mundiais do século XX, com metralhadoras, tanques, e canhões. Hoje o essencial da transferência de riqueza de milhões de seres humanos para umas centenas é feita pelo grande casino do sistema financeiro mundial desregulado e pela comunicação social que controla as mentes e os votos.
Mas que tem isto a ver com a Fortaleza de Peniche? Que tem isto a ver com a memória Histórica da luta dos portugueses contra a ditadura do “Estado Novo? Tem muito. Evoca-nos o passado de lutas heróicas de milhares de portugueses por uma vida digna contra o poder que os explorava e reprimia. Manter vivos estes exemplos, valorizar a Fortaleza de Peniche, serve também para nos dar alento e instigar, hoje, à intervenção cívica e política por um mundo melhor.  
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