Amanheceu o dia, em que a Igreja celebrava a festa de Todos-os-Santos, que era em um sábado, sereno, o sol claro e o céu sem nuvem alguma. Pouco depois das nove horas e meia da manhã, estando o barómetro em vinte e sete polegadas e sete linhas, e o termómetro de Reaumur em catorze graus acima do gelo, correndo um pequeno vento nordeste, começou a terra a abalar com pulsação do centro para a superfície; e, aumentando o impulso, continuou a tremer, formando um balanço para os lados do norte a sul com estragos dos edifícios, que ao segundo minuto de duração começaram a cair, ou a arruinar-se, não podendo os maiores resistir aos veementes movimentos da terra, e à sua continuação. Duraram estes, segundo as mais reguladas opiniões, seis para sete minutos fazendo neste espaço de tempo dois breves intervalos de remissão este grande terramoto.
Em todo este tempo se ouviu um estrondo subterrâneo por modo de trovão, quando soa ao longe. Escureceu-se algum tanto a luz do sol, sem dúvida pela multiplicação de vapores, que lançava a terra, cujas sulfúreas exalações muitos perceberam. Foram vistas em várias partes fendas na terra de bastante extensão, mas de pouca largura. A poeira , que causou a ruína dos edifícios, cobriu o ambiente da cidade com uma cerração tão forte que parecia querer sufocar todos os viventes.
A estes impulsos da terra se retirou o mar, deixando nas suas margens ver o fundo às suas águas, nunca dantes visto; e encapelando-se estas em altíssimos montes, se arrojaram pouco depois sobre todas as povoações marítimas, com tanto ímpeto que parecia quererem submergi-las, estendendo os seus limites. Três irrupções maiores, além de outras menores, fez o mar contra a terra, destruindo muitos edifícios e levando muitas pessoas envoltas nas suas águas.
Como era dia solene, estavam as igrejas cheias de gente ficando imensa debaixo de suas ruínas logo que as abóbadas e paredes destas se desfizeram, e caíram. Os que estavam ainda em casa e transitavam as ruas, igualmente uma grande parte foi vítima da mesma calamidade. Os gritos, alaridos, clamores ao Céu pedindo misericórdia, sucedendo-se uns aos outros, tudo consternava e movia a lágrimas. Nem os pais buscavam os filhos, nem esposas os consortes, nem os mesmos bens terrenos eram objecto do amor de seus proprietários; ninguém cuidava senão em salvar a vida, e pedir a Deus a salvação de suas almas.
Tinha muita gente buscado as margens do Tejo para se livrarem dos edifícios, temendo as suas ruínas: porém, entrando o mar pela barra com uma furiosa inundação de águas, fizeram o mais lamentável estrago, passando os seus antigos limites; e, lançando-se por cima de muitos edifícios fez aumentar o horror com a voz vaga que por toda a cidade se espalhou, que o mar crescia.
Logo depois do terramoto, primeiro se começou a ver arder o palácio do marquês de Louriçal, a igreja de São Domingos, o Recolhimento do Castelo, e outros edifícios, em que as luzes, ou fogões das casas, tinham comunicado o fogo aos madeiramentos. Isto, que aumentou as desgraças, fez multiplicar o susto. Jaziam pelas casas muitos doentes que, não podendo fugir, foram vítimas, e consumidos pelo fogo. Viu-se um religioso do Carmo calçado posto em uma janela muito alta, de onde não podia sair para dentro, nem para fora, pedir a absolvição a um sacerdote que passava de longe, e esperar resignado o fogo, que o consumiu.
Continuaram os tremores de horas a horas com menos violência, mas com igual horror, temendo-se que a terra se abrisse com a veemência de tantos abalos. Comunicado o fogo ao castelo correu uma voz que se retirassem todos dos subúrbios da cidade, pelo perigo de pegar à pólvora que ali se achava, e matar os que tinham escapado ao terramoto. Com este susto fugiram quase todos para fora da cidade aquela noite, para uma ou mais léguas. "
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