2017/12/10

Daniel da Cruz um português norte-americano

Daniel da Cruz, de Vilar do Cadaval, irmão do meu pai Manuel da Cruz Narciso foi padre franciscano e missionário em Moçambique de 1906 a 1908.
Como missionário em Moçambique na região de Xai-Xai revelou a sua grande curiosidade científica que se traduziu em artigos que foram sendo então publicados na Gazeta das Aldeias e na revista franciscana A Voz de Santo António onde são referenciados 50 artigos sobre a população autóctone, economia, costumes, relações familiares, religiões e sobre a geografia local, a flora e a fauna nomeadamente artigos sobre os insectos. O bicho da seda, as borboletas, os grilos, as abelhas, e bicharada local de outra corpulência.
Estes artigos estão na base do livro que então, a pedido da Gazeta das Aldeias, publicou em 1910 "Em Terras de Gaza" (Porto - Gazeta das Aldeias, Rua Sá da Bandeira, 257 - 1º 1910. (Foto da capa acima).

Consegui, 117 anos depois, obter um exemplar numa livraria de Braga. Mas tive de calcorrear o país de lés a lés, do Algarve ao Minho, cidades e vilas, para o encontrar. Tudo em apenas 20 minutos, pela internet, é claro. Imaginaria, em 1910, Daniel, este  mundo novo? 

Em 1910 abandonou o sacerdócio e as crenças religiosas e emigrou para os EUA onde veio a falecer em 1966 com 86 anos. 
Nos EUA obteve uma licenciatura em Biologia área em que se doutorou. Pessoa de grande curiosidade científica dedicou-se também ao estudo de astronomia e de línguas. Foi professor na Universidade de Princeton e na Universidade de Ohio. Publicou vários livros com estudos nestas áreas. Ofereceu-me um dos seus estudos sobre a Bíblia e a religião católica.


Casou com Lenore Susan Rager de quem teve dois filhos, Francisco e Daniel que seguiram um o ensino universitário. e outro a carreira diplomática. Após separação de Lenore casou uma segunda vez, então com Louise.
Por sofrer de dificulda-des respiratórias assim que se reformou mudou-se para a zona montanhosa do Colorado, para a cidade de Colorado Springs. Ele o filho Daniel, o neto Danny (filho de Francisco) e a sua 2ª mulher Louise, cada um em diferentes momentos, visitaram Portugal, e estiveram na casa dos meus pais em Vilar. Só não estive com Louise, em 1971 porque estava então "emigrado" cá dentro.
Entre as visitas de Daniel ao estrangeiro as que mais o atraíam e satisfez foi a visita à sua terra natal, o Vilar do Cadaval e aos lugares da Terra Santa que fez, quando já ateu, há muitos anos mas "terra santa" durante a sua juventude.

Junto imagens de Daniel quando era padre em 1908, uma da capa do seu livro sobre a sua participação missionária franciscana em Moçambique, publicado em 1910, outra com os meus pais, eu e a minha irmã, em casa dos meus pais no Vilar em 1953, outra com sobrinhos netos, em Vilar, em 1953, e por fim uma em que está junto da sua residência em Colorado Springs.

Frei David Azevedo, franciscano do convento do Varatojo (concelho de Torres Vedras) e natural de Vilar do Cadaval, foi colega e conterrâneo de Frei Daniel da Cruz de quem elaborou, nos anos 90 um projecto de biografia de que aqui apresento um resumo por ele então enviado. 
                 
MISSIONÁRIOS DO OESTE

FREI DANIEL DA CRUZ Naturalista Insigne.

A nossa região do Oeste usufruiu, nos finais do século passado e princípios deste, da influência de dois notáveis focos, não só de vida cristã, mas também de cultura, que foram o convento de Varatojo e o convento de S. Bernardino, o primeiro reaberto em 1861 e o segundo, em 1884. No primeiro fundaram os franciscanos a primeira escola primária do concelho de Torres Vedras, em 1866, logo seguida dum colégio para meninas. No segundo, que formalmente destinado a colégio seráfico ou seminário menor da Ordem Franciscana, também logo se abriu, após a sua aquisição, uma escola primária para os rapazes das localidades vizinhas. Os dois focos, naturalmente, atraíram a atenção das famílias, da região de Torres Vedras, para Varatojo, e da região mais ao norte, desde as encostas do Montejunto até ao mar, para S. Bernardino. 

Neste contexto brotou a vocação franciscana de mais um missionário do Oeste, Frei Daniel da Cruz. Nasceu no Vilar, no dia 1 de Março de 1880, filho de João da Cruz Narciso e de Joana das Dores; e lá foi baptizado com o nome de Manuel Maria. Vestiu o hábito franciscano- em Varatojo  no dia 25 de Setembro de 1896 e professou no dia 30 de Novembro de 1897, com o nome de Frei Daniel da Cruz. A meio dos estudos de filosofia e teologia, que começou em S. Bernardino e, a partir de 1900, continuou em Montariol (Braga), forçado pelas perturbações causadas pelo decreto de Hintze Ribeiro, de 10 de Março de 1901, que reactivou a animosidade anticongreganista do liberalismo, refugiou-se em Espanha, com outros companheiros, onde prosseguiu os estudos na província franciscana da Bética (Sevilha). 
Ordenado sacerdote em 1904, em 1 de Outubro de 1906 embarcou para Moçambique, chegando à Beira no dia 4 de Novembro. No dia 8 do mesmo mês foi colocado como coadjutor na recém-criada missão do Chongoene (Xai-Xai), em terras de Gaza.

Não foi longa sua demora no campo missionário, porquanto, devido à agressividade do clima e à falta de recursos médicos, pouco mais de um ano passado em Moçambique, em 1 de Janeiro de 1908, doente, teve de regressar a Portugal. Mas se escasso foi o tempo, grande foi o seu empenho, não só na evangelização, mas também -e principalmente - no campo da ciência. 

Inteligente, observador e apaixonado pela natureza, dedicou-se ao estudo dos costumes indígenas e das riquezas naturais do mundo que o rodeava. Desse estudo resultou uma série de artigos que pouco a pouco foram aparecendo na Gazeta das Aldeias, que se publicava no Porto, os quais foram mais tarde publicados em livro, intitulado Em Terras de Gaza, Porto 1910. 

Dos seus conhecimentos africanos e da bagagem científica que adquirira no currículo de formação, pela mesma altura - 1905-1910 - vêm a lume, na revista franciscana, A Voz de Santo António, uns cinquenta artigos sobre os insectos. O bicho da seda, as borboletas, os grilos, as abelhas (cinco artigos), as cigarras, os ralos, as libélulas, os myrmeleões, as formigas (sete artigos), os escaravelhos, as carochas, as joaninhas, os morilhões, as moscas, os mosquitos, as vespas, os cynipes, os gafanhotos, as lagartas, as baratas, as aranhas, as pulgas e outros bichos da espécie, formam variegada e encantadora exibição nas páginas da revista. 
O campo científico do Frei Daniel da Cruz, dir-se-ia que não tem limites. Aparecem na referida revista artigos sobre a estrumeira, a agricultura, a higiene rural, a raiva, os terramotos (a propósito do terramoto de Messina) e ainda os trens Renard (sistema de transporte em estrada com locomotiva e vários atrelados); além das recensões de livros e revistas.
Em 22 de Outubro de 1910, poucos dias depois da implantação da República, refugia-se nos Estados Unidos, onde virá a abandonar o sacerdócio e a vida franciscana. Continuou, porém, sua paixão científica. Frequentou a Faculdade de Ciências da Universidade Católica de Washington, onde se graduou em 1915. Para efeitos de doutoramento apresentou o estudo intitulado A Contribution to the life-history of Lilium Ternifolium.

Foi professor na Universidade de Princetown e publicou vários livros. Muito embora sua vida tivesse enveredado por rumos diferentes daqueles que iniciara como franciscano, manteve sempre um espírito liberal, característico aliás da escola franciscana de Montariol e da revista A Voz de santo António, o encanto franciscano pela natureza e a inquietação e busca de Deus. Veio a falecer em 27 de Dezembro de 1966, no Estado do Colorado. Figura notável que merece ser mais conhecida., principalmente na nossa região.