Amigo dos seus três filhos e também colega do mais velho, o Ernâni Pinto Basto, tive o privilégio de conhecer e conviver com Ludgero Pinto Basto, um homem cativante, de vasta cultura, excelente conversador, médico de elevada craveira, sempre disponível para atender os mais carenciados, um grande lutador pela liberdade, um português eminente.
"Morreu Ludgero Pinto Basto, comunista e antiestalinista" é o título do artigo do jornalista António Melo, hoje no Público, de que reproduzo os extractos seguintes:
O médico Ludgero Pinto Basto foi ontem a enterrar, em Lisboa, depois de uma vida inteiramente dedicada aos ideais de solidariedade humana e igualdade social. Cultivou-os na maçonaria, onde se iniciou em 1928, e no Partido Comunista Português de que foi militante e dirigente, a partir de 1931. Tinha 96 anos e encontrava-se enfermo há alguns meses. Em Abril do ano passado foi condecorado com a Grande Ordem da Liberdade.
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Além de aprender a salvar a doença individual, abraçou também a causa da revolução social; e em 1931 tornou-se membro do PCP. Foi na semi-clandestinidade que, em 1935, concluiu o curso. Conseguiu iludir a vigilância da polícia política salazarista e abriu um consultório na zona da Penha de França, em Lisboa... Foram muitos os militantes clandestinos comunistas que recorreram aos seus cuidados, que nunca recusou, sem cuidar dos riscos.
De Setembro de 1938 a 1 de Dezembro de 1939 assegurou o funcionamento do secretariado político comunista, com Francisco Miguel e Álvaro Cunhal, que apoiou sempre, sem esconder a crítica e sem quebra de amizade. Nesse 1 de Dezembro foi preso em Benfica (Lisboa) quando, precisamente com Francisco Miguel, ia encontrar-se com outros elementos do comité central. Foi condenado a 20 meses de prisão, mas acabou por ficar quase quatro anos nos presídios do regime, dos quais dois em Angra do Heroísmo, de onde regressou em 1943, para Caxias e só então foi libertado.
Passou a viver na legalidade e retomou a actividade clínica. Especializou-se em endocronologia, disciplina clínica de que foi percursor em Portugal. A evolução política na União Soviética, sob a direcção de Estaline, sobretudo os "processos de Moscovo", onde os "companheiros de Lenine", acusados de contra-revolucionários, mereceu a sua crítica interna no PCP, mas sem pôr em causa a sua fidelidade à linha partidária. Por isso enfatizava a reabilitação política de Bukarine (executado em 1938), ainda durante a existência da União Soviética, dando pleno valor ao que deixara escrito no seu testamento clandestino.
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Nos primeiros anos de estudante de Medicina, Ludgero passou pela maçonaria e pertenceu à loja Rebeldia, em Coimbra, de que fez parte outro médico, também resistente antifascista, mas do Partido Socialista, Fernando Vale. Foi desta loja que saíram os líderes da greve académica de 1931, contra a ditadura militar saída do 28 de Maio de 1926. Mas a sua permanência no Grande Oriente Lusitano Unido foi breve, pois os seus rituais pareceram-lhe fora do seu tempo. Foi no PCP que se realizou politicamente.
... mas sempre acusou Estaline de ter pervertido o projecto de Lenine.Esteve na guerra civil de Espanha, onde se encontrou com Togliatti, líder comunista italiano, de pequena figura, mas que ficou a admirar pela sua determinação.
A deliquescência do regime soviético só o surpreendeu por tardia, porque tinha fundadas dúvidas sobre aquele "socialismo real". Por isso discordava que se falasse de "utopia comunista" para caracterizar o século XX. Considerou, até ao fim, que um tal projecto de sociedade permanecia válido, convencido de que "todas as misérias do capitalismo se mantinham e até se exacerbaram em certos sítios". Preocupação séria para si era ver a tendência crescente para um individualismo egoísta e "as pessoas menos interessadas na evolução da sociedade do que no princípio do século XX".