2006/07/01

NÃO APAGUEM A MEMÓRIA

Na concentração junto à ex-prisão do Aljube estiveram presentes ex-presos políticos que passaram por aquela prisão e muitos outros resistentes à ditadura alguns dos quais são figuras conhecidas da cultura, dos meios académicos, do Movimento das Forças Armadas, da política. Edmundo Pedro e António Borges Coelho evocaram a sua passagem pelo Aljube, o almirante Martins Guerreiro e Artur Pinto apresentaram uma perspectiva do Movimento. Entre os presentes estavam José Manuel Tengarrinha, Manuel Serra, Nuno Teotónio Pereira, o coronel José Fontão, Fernando Rosas, Mário de Carvalho, Garcia Pereira, Diana Andringa, Alfredo Caldeira, Fernando Vicente e Henrique de Sousa da Renovação Comunista.

Comunicado do Movimento Não Apaguem a Memória:
A cadeia do Aljube, instalada num edifício que resistiu ao terramoto de 1755, era a prisão utilizada pela PVDE/PIDE para encarcerar os presos políticos, no período da instrução do processo, conduzido por essa mesma polícia. Era nesse período de “instrução”, que podia durar até seis meses, que os presos eram interrogados, através de torturas, e submetido a rigoroso isolamento, potenciado pela escuridão, as estreitas celas tumulares e a péssima alimentação. A Reforma Prisional de 1936, pela qual, teoricamente, se devia reger a vida dos presos, sofria constantes atropelos nas cadeias políticas. Por exemplo, no Aljube, não havia qualquer local para recreio e as salas e celas eram impróprias para viver.

A «sala 2A» dessa prisão tinha uma só janela, gradeada e coberta por uma rede fina, com catres presos à parede durante dia, os quais, à noite tinham uma enxerga e duas mantas. Essa sala era, porém, bem melhor do que os catorze «célebres “curros” ou “gavetas” do Aljube», pequenas celas, «com cerca de um metro de largura, com catres basculantes, que, ao baixarem ocupavam todo o espaço, obrigando o preso a ficar sentado. Esses “curros” eram fechados por duas portas, uma gradeada e outra de madeira, normalmente fechada, apenas com um pequeno postigo, estando quase todo o dia mergulhadas numa semi-obscuridade.
Eram essas as instalações que a PIDE usava para manter os presos incomunicáveis, durante todo o período mais intenso dos interrogatórios, onde «a falta de luz estava associada a todo um quadro de tortura e de violência física e psicológica a que o preso estava submetido», conforme contou um ex-detido. Durante o primeiro período, o preso não tinha acesso a caneta, nem a lápis, nem a papel, nem a jornais, nem a livros, nem a relógio, nem sequer espaço para se mover. Havia ainda a cela disciplinar, n.° 14, onde o preso estava permanentemente às escuras, sem enxerga e, às vezes, a pão e a água.
No seu relato, o padre angolano Joaquim da Rocha Pinto de Andrade contou que, no Aljube, esteve encarcerado «numa enxovia estreitíssima, de um metro de largura por dois de comprimento, onde a luz e o ar entravam por um postigo de 15 x 20 cm., filtrados através de duas férreas portas, postigo, aliás permanentemente fechado». A «tarimba que lhe servia de cama era apenas provida de um enxergão sebento, duro como pedra, sendo proibido usar lençóis. «Sentado na tarimba, os joelhos roçavam a parede», isto tudo na penumbra. Devido a queixas várias, entre as quais da Amnistia Internacional, o Aljube acabou por ser fechado, em Agosto de 1965.
A cadeia do Aljube é pois um dos principais paradigmas e «ícone» da repressão exercida durante a ditadura salazarista/caetanista, pela PVDE/PIDE/DGS.
Por isso, o Movimento “Não apaguem a Memória!” considera que é um dos melhores locais para ser instalado um espaço museológico, sobre o que foi a violência do Estado Novo e da sua polícia política, mas também da luta contra a ditadura e pela liberdade.


Aljube: memórias de quem passou pela "mais
sinistra prisão do fascismo"



[RTP on line]

"Tinha um botão no chão e jogava, mas quase não podia mexer as pernas", descreveu à Lusa o historiador e membro do movimento cívico "Não Apaguem a Memória!" que quer transformar a antiga prisão do Aljube num museu da resistência ao fascismo.
Na cadeia do Aljube, perto da Sé, onde agora funciona o Instituto de Reinserção Social, permaneciam os presos políticos que estavam a ser interrogados na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso.
Encarcerado em 1956 durante seis meses nos "curros", que descreve como celas do comprimento do seu corpo e da largura do tronco "mais um braço estendido", Borges Coelho, então com 26 anos, entretinha-se os seus imaginários jogos de futebol.
O antigo preso político lembra as "mantas horrorosas, que não eram lavadas" e que "guardavam vestígios de esperma de vários presos, que se foram acumulando".
"No isolamento, o tempo escoa-se e nós vivemos unicamente da memória, que atinge níveis completamente incríveis", diz.
Acusado de pertencer ao PCP, "o que por acaso até era verdade", Borges Coelho não chegaria aos seis meses de isolamento, já que o seu débil estado de saúde, depois de recusar a "comida quase podre, intragável", obrigaria a um internamento na enfermaria da cadeia.
No meio das "piores recordações" que tem do Aljube, Carlos Brito, antigo dirigente do Partido Comunista Português e actual membro do movimento Renovação Comunista, guarda uma memória "muito positiva":
a do dia 25 de Maio de 1957, em que conseguiu fugir da cadeia, acompanhado por outros dois companheiros.
Depois de serradas as grades, os presos percorreram um algeroz "muito estreito" no último andar do edifício, "com grande dificuldade de equilíbrio", desceram a pulso um vão de seis metros por uma corda de lençóis, caminharam sobre dois telhados, saltaram as águas-furtadas e atingiram o chão com uma escada ali colocada.
"É a cadeia que simboliza a repressão da ditadura de uma maneira mais evidente e mais gritante. Por isso senti tanta alegria quando consegui fugir", descreveu à Lusa.
Naquele lugar, que recorda como a cadeia "mais sinistra", Carlos Brito esteve em três ocasiões distintas, entre 1957 e 1959, a maior parte do tempo "incomunicável e em isolamento".
Numa das vezes, após ter sido espancado, ficou durante dias "sem colchão nem cobertores nem qualquer espécie de agasalho, em cima de um bailique (tarimba) de madeira". "Ali se passaram dos momentos mais lancinantes. Lembro-me de ver companheiros que não conseguiram resistir e estavam ali à beira do suicídio", conta.
O historiador José Manuel Tengarrinha observou uma dessas situações: quando, em 1961, regressou de um interrogatório na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, encontrou as manchas de sangue do seu companheiro de cela, que se suicidara cortando as veias. Tengarrinha sublinha que o Aljube era "a pior prisão do fascismo", onde permaneciam "em condições indescritíveis" os presos políticos que se encontravam em fase de interrogatório.
"Era duríssimo", garante.
"As condições eram concebidas de propósito para desmoralizar os presos", afirma, lembrando a "angústia" que sentia quando ouvia a carrinha da PIDE a chegar, sem saber se seria o próximo a ser levado para "a António Maria Cardoso".
Nos "curros" durante um mês e meio, Tengarrinha, então com 30 anos, passava a tempo a fazer peças de damas com miolo de pão, que usava para jogar sozinho.
"Houve uma barata que entrou na cela. Conservei-a como uma amiga, uma companheira, o único ser vivo que estava ali comigo", conta.
A única vez que fumou foi durante o isolamento no Aljube, durante cerca de um mês, recorda o socialista José Medeiros Ferreira.
"Não podia ler, não podia sair da cela. Tinha uma grande variação: fumava às 09:00, às 10:00, às 11:00, às 12:00 e, no dia seguinte, às 09:30, às 10:30, às 11:30", descreve com alguma ironia.
O antigo ministro do PS esteve três meses no Aljube, entre 1962 e 1963, acusado de realizar "actividades subversivas contra a segurança do Estado".
O antigo preso afirma que "a maior violência do isolamento é em termos psicológicos", por não haver nada para fazer.
Naquele período, a sua única companhia eram as vozes de "uma menina que cantava canções populares e a de um preso que cantava o `Menina Estás à Janela`".
Mais tarde, na sala comum, Medeiros Ferreira e os companheiros "iam ao cinema" todas as noites, com cada preso a relatar aos outros um filme que tivesse visto.
Na primeira vez que foi preso no Aljube, em 1934, Edmundo Pedro tinha apenas 15 anos e chegou a partilhar uma cela com o seu pai. Voltaria àquela prisão mais duas vezes, a última já com 43 anos, após o assalto ao quartel de Beja, uma tentativa de golpe falhada ocorrida em 1961.
Edmundo Pedro, hoje com 87 anos, atribui à "determinação, à auto-confiança e à imaginação" a força para suportar o isolamento:
recordava os livros que tinha lido, fazia cálculos matemáticos.
Através de uma abertura de um dos "curros" onde permaneceu, conseguia ver a Sé, onde observava os pombos a fazer os ninhos, as pombas a ter os ovos, os borrachos a nascer.
Mais tarde, foi levado para outro "cubículo", ao lado do qual estava um companheiro com quem jogava damas, apesar da parede que os dividia.
"Riscávamos a tabela do xadrez no chão e depois, com um código de batidas na parede, fazíamos um jogo", afirma.
Apesar da dureza da cadeia, Edmundo Pedro acredita que "não há heróis".
"Perante as situações, as pessoas não têm outro remédio senão adaptar-se. Por duas ou três vezes ouvi pessoas a berrar, devem ter enlouquecido. Mas a maior parte das pessoas acaba por resistir".
(Outras fotografias do movimento não apaguem a memória. link)

2006/06/29

Cuidado com o buraco


Dizem que é o maior buraco feito pelo homem. Está na Sibéria Central, Rússia, junto à cidade de Mirna. Tem 1.250 metros de diâmetro à superfície. Descendo pela rampa, em caracol, gigantescos camiões (só visíveis à lupa) descem aos actuais 525 metros de profundidade para trazer terra.
Não têm terra cá em cima? Aquela tem diamantes. Por aí a baixo.
À volta está a cidade que se foi construindo à compita com o buraco. Estará pavimentada a diamantes?

Escalas