Marcelo Caetano tinha finalmente
conseguido uma importante vitória a NATO que se distanciava (na aparência, é
claro) do regime fascista aceitou realizar a reunião ministerial em Lisboa. Estávamos em 3 de Junho de 1971.
A ARA achou oportuno participar nos
festejos. Para mais com tantas dezenas de jornalistas estrangeiros vindos a
Lisboa.
O plano era cortar todas as telecomunicações,
deixar os jornalistas e agências de comunicação sem poder comunicar com o mundo.
O êxito foi total. O país ficou isolado. O centro das notícias foi, não a
"tão importante" reunião ministerial da NATO, mas o caos comunicacional e a existência de uma “oposição armada”, no caso a ARA.
A alma do "negócio" foi o Jaime
Serra, no Comando Central da ARA e o seu irmão Alberto Serra, técnico na
Central de Correios e Telecomunicações, na Praça D. Luís, em Lisboa, ali junto
ao Mercado da Ribeira e que deu a informação preciosa: indicou o ponto por onde
todas as comunicações passavam.
Lembrei-me de vos falar desta “ação” da ARA não por causa do mais
importante, o grande impacte comunicacional e político que ela teve, mas por causa de um ou
dois episódios picarescos de que vos darei conta a seguir.
O António Pedro Ferreira
transportou-me até ao local. Estacionou fora das vistas do Carlos Coutinho e do
António João Eusébio a quem fui entregar umas vestes de empregados dos correios, uma
pequena cancela em madeira para colocar no passeio junto da
boca de acesso à câmara subterrânea onde dormiam os cabos das telecomunicações internacionais
e afinal também as nacionais, situada por
baixo do passeio da rua que circunda o edifício dos CTT. Queríamos dar ao nosso
“trabalho” um aspeto interno, de trabalho dos Correios. Entreguei-lhes também,
já se vê, a carga explosiva com um sistema de retardamento, um relógio de pulso
adaptado à boa causa que ali nos levava. Eles dirigiram-se para a tampa de ferro no
passeio, já vestidinhos, dispuseram a cancela para que nenhum tresnoitado transeunte
se precipitasse naquela goela de comunicações. Eu e o Alberto Serra ficámos por
perto para o que desse e viesse, à distância que nos pareceu regulamentar de
uns 40 metros, com ar de que não nos conhecíamos, nem nós nem aqueles.
A argola da tampa de ferro, ferrugenta, teimava em não se levantar o Carlos puxava-a
com a ponta do bico de um forte gancho de ferro que o Jaime Serra me
arranjara e a argola, contumaz, não tugia nem mugia. O Carlos considerou que para
grandes males grandes remédios, equilibrou o forte gancho e usou-o como alavanca
com uma resoluta pezada . O forte gancho era, afinal, de ferro forjado e…
partiu-se. Drama. Ação falhada por uma insignificância. Desespero. Avanço
então para eles para os amaldiçoar? Não. Num estado pouco menos que
apocalíptico explicam-me o que estava à vista, o gancho partiu-se! Partiu-se!! Respondi-lhes
com ar calmo, como se tivesse previsto tudo em bola de cristal. Não há problema, vou buscar
outro. Olharam-me com um ar rancoroso, como quem olha para alguém que está a gozar com a desgraça. Dêem uma voltinha por aí e reencontramo-nos dentro
de meia hora. Corri ao Pedro Ferreira ao virar da esquina, fora de olhares e
fui à arrecadação da Rua Maria Pia, a Alcântara, onde tinha um segundo gancho.
Parece mentira? Pois parece. Quando o
Jaime Serra me entregou dois ganchos em vez de um eu observei: para quê dois?
Dois é melhor que um. Nunca se sabe. Respondeu-me. Poderia ter deitado fora um
mas não me parecia bem e guardei os dois. O que se partiu e o gancho salvador.
O João Eusébio tentou a sorte dele e
sem ajuda de calcanhar de bota lá conseguiu levantar a argola e depois a tampa de ferro. Dispôs a
cancela e o Coutinho enfiou-se chão dentro. Enquanto amarrava àqueles
internacionais cabos de telecomunicações o trotil amigo, para nosso desespero aproxima-se
deles, badalando chaves, a despropósito, um guarda noturno. Mau (porra! ou coisa mais apropriada, foi o que, baixinho disse para comigo) Avancei uns passos para o caso de ter
de ajudar à festa. Mas o guarda noturno aproximou-se disse boa noite, companheiro de trabalhadores fora de horas como ele, espreitou para dentro maquinalmente,
badalou o molho de chaves e lá foi à sua vida, de guarda noturno. Respirámos fundo.
E no fim, reposta no seu sítio a pesada tampa de ferro, reencontrámo-nos do outro lado do mercado, não demos efusivos e espalhafatosos abraços, apenas um fraternal, cúmplice e vitorioso aperto de mãos. Para não chamar a atenção de ninguém. Nem mesmo das atentas, gigantes e perplexas árvores do Jardim, olhando os homens cá em baixo, rentes ao chão, há um milhões de anos a deambular pelo inóspito planeta e ainda tão longe da perfeição.
E no fim, reposta no seu sítio a pesada tampa de ferro, reencontrámo-nos do outro lado do mercado, não demos efusivos e espalhafatosos abraços, apenas um fraternal, cúmplice e vitorioso aperto de mãos. Para não chamar a atenção de ninguém. Nem mesmo das atentas, gigantes e perplexas árvores do Jardim, olhando os homens cá em baixo, rentes ao chão, há um milhões de anos a deambular pelo inóspito planeta e ainda tão longe da perfeição.
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