Urbano diz-nos que Álvaro Cunhal conhecia as chagas do socialismo real e que tinha para o socialismo que ambicionava para Portugal concepções muito diferentes, nomeadamente com democracia e pluralismo partidário. Questionado por Judite de Sousa explicou que nunca denunciou tais falências para não dar armas ao imperialismo.
Assisti dia a dia, durante os quatro anos que a Perestroica durou, às reacções de Cunhal e dos outros velhos (e novos!) dirigentes do PCP. Cunhal e a grande maioria daqueles continuavam, por necessidade a incensar a União Sóviética, a grande rectaguarda, mas tiveram relativamente à Perestroica sempre as maiores reservas e antipatia. Uma antipatia à flor da pele, reacção típica a um corpo estranho, seguida depois por uma crescente ainda que reservada condenação, muito antes ainda de se adivinhar a queda de Gorbatchov e o fim da União Soviética.
Outra coisa não seria de esperar. Nem é justo negar-lhes o "feeling", a clara percepção de velhos e experientes "revolucionários bolcheviques" de que aquilo ia desfigurar, senão acabar com o verdadeiro, o único, socialismo real existente, questionar a prática do PCP, pôr em causa a cartilha marxista-leninista, bíblia do partido e principalmente "retirar o tapete" à direcção do PCP, com Cunhal à cabeça, à semelhança do que sucedeu com todos os líderes comunistas que não se reciclaram imediatamente a seguir ao 20º Congresso do PCUS que denunciou o estalinismo.
Podemos anuir em que Cunhal e a direcção do PCP aceitaram a Perestroica nos seus primeiros (muito iniciais) momentos na estrita medida em que admitiam que ela não passava de mais uma operação de cosmética. Para mobilizar as massas. Mas muito cedo todos perceberam que a Perestroica não era, afinal, cosmética e que iria mudar "aquele socialismo".
Até 1989 ninguém admitia, nem os "sovietólogos", nem a CIA, nem mesmo Vasco Pulido Valente, com a excepção talvez do KGB, que aquilo ia dar no que deu. Cunhal e o PCP eram esclarecidos adeptos de um socialismo de rosto humano para Portugal. Não tanto por sensibilidade ou natural simpatia mas por óbvia estratégia. Se fosse possível!!! Assim como aquele pai portuga dizia ao filho que, no século passado, apertado pela miséria se via obrigado a emigrar para as Américas: filho vai. Vai e enriquece. Honestamente! Se possível.
4 comentários:
Eu sou duma saída anterior à vossa mas a opinião do Raimundo também corresponde à minha ainda que não tenha nunca falado com o Álvaro Cunhal. Está notável. Deixei também um comentário no outro vosso blog.
António
Comentário oportuno e esclarecedor para um cidadão atento.O último parágrafo a destacar, "se possível"!
Bem, o artigo tem muitas imprecisões. Pondo de parte a afirmação de que o Urbano seria o melhor amigo de Álvaro Cunhal, o que ponho em dúvida, acontece que nem o ponto de vista daquele escritor sobre a verdadeira posição de Cunhal sobre o "socialismo real" e sobre a perestróica corresponde à realidade, nem tão pouco o ponto de vista expendido neste artigo é completamente verdadeiro. Às vezes, ou melhor, sempre a realidade é mais complexa do que aquilo que se escreve em meia dúzia de linhas.
Cunhal praticamente nunca expunha em público as suas opiniões pessoais sobre a situação política, quer internacional, quer nacional. Ele transmitia sempre as conclusões do colectivo.
Mas estou de acordo com uma coisa que aqui se diz: ele nunca foi um aderente da perestróica por esta prenunciar, não o fomentar de alterações que há muito se faziam sentir na União Soviética,mas porque estava-se a fragilizar aquilo que ainda se podia opor à degradação e à corrupção que vieram a dar origam à formação de máfias internas que hoje actuam livremente a nível mundial.
De notar que aqueles dirigentes que ainda tentaram estabelecer alterações de fundo foram rapidamente afastados do poder, como foi o caso de Nikita Khruschov, ou de Andropov que morreu pouco depois (corria que foi assassinado). Portanto, as razões que levaram Cunhal a demonstrar reservas à perestróica e, até antes disso, a certas práticas do regime socialista (reservas,algumas das quais se traduziram várias vezes em opiniões demonstradas pessoalmente aos próprios dirigentes soviéticos)não correspondem ao espírito demonstrado neste artigo.
De notar que, ante a expressão dessas reservas, Cunhal foi alcunhado por Suslov como o "marxista de cristal".
Termino com uma correcção: a denúncia dos crimes de Stáline (e do seu regime)que conduziram à degradação do socialismo foi feita por Khruschov não no 10º Congresso do PCUS, como é indicado no artigo, mas no 20º Congresso, em 1956. Essa denúncia foi depois aprofundada e escalpelizada no 22º Congresso.
E, já agora, uma errata: onde se lê, no artigo, "raízes acentes" deve ler-se "raízes assenrtes".
Um abraço
Carlos Domingos
Olá Carlos
Obrigado pelas correcções: do acentes que, é claro, estão bem é assentes e do 10º que como é público e notório é o 20º.
Quanto ao resto: dizes tu:"Cunhal praticamente nunca expunha em público as suas opiniões pessoais sobre a situação política, quer internacional, quer nacional. Ele transmitia sempre as conclusões do colectivo." Oh meu caro o colectivo pensava, em geral, (pela própria lógica da formação da opinião) o que Cunhal pensasse! Achas q o Cunhal passou a vida a dizer ao mundo o que "o colectivo" pensava!!! Sim, desde que o colectivo pensasse o que ele pensava.
Um abraço e manda sempre as tuas observações.
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