2011/12/30

50º aniversário da revolta armada de Beja (2)

Na sequência do post anterior sobre o assalto ao quartel de Beja, em 1 de janeiro de 1962, aqui fica agora novo relato, de José Hipólito dos Santos:

Segunda tentativa de assalto, em 9 de Dezembro de 1961

A primeira tentativa, em 2.12.1961, permitiu confirmar que era possível atacar de surpresa e assaltar o quartel de Beja, verificar as condições indispensáveis para a deslocação de dezenas de pessoas e a melhor forma de estacionamento discreto nas proximidades do quartel.
O empreendimento era viável mas necessitava de mais gente.
Por indicação de Lígia Monteiro, foi organizado um encontro com Piteira Santos, que envolveu ainda Edmundo Pedro e Eduardo Pereira, com a sua pronta adesão ao projecto Ikaro, a disponibilização de um alojamento em Lisboa para Manuel Serra, assim como algumas armas e explosivos e a provável adesão de bastantes pessoas a que estavam ligados.
Por outro lado, Manuel Serra encontrou-se no Pinhal Novo com um seu amigo, José Artur Cardoso, empregado da CP na estação local, que logo se lhe juntou e organizou uma reunião com um pequeno grupo de elementos do PCP do Barreiro. E, sem hesitações, não só aderiram ao projecto de assalto a um quartel como prometeram a adesão de novos elementos.

O grupo de Piteira Santos e o grupo de Almada

Piteira Santos jogava um papel importante nas movimentações legais e clandestinas da oposição. Preso em 1945, foi expulso do PCP em 1950 (com Ramos da Costa e Mário Soares), manteve-se sempre muito dinâmico, nomeadamente estabelecendo pontes nas difíceis relações entre a oposição democrática e o PCP. Seguia com atenção as transformações na “União Soviética” e juntava à sua volta pessoas como Edmundo Pedro, Gilberto de Oliveira, Adolfo Ayala, e, mais tarde, Eduardo Pereira e Alípio Rocha, gente que se afastara do PCP, ou ainda seus militantes, mas em desacordo com a linha “pacifista”. O caso de Joaquim Eduardo Pereira era o mais representativo.
Militante desde 1943, participou no V Congresso do PCP, clandestino, em S. João do Estoril, em 1957, tornou-se funcionário com responsabilidades na reorganização do estratégico sector da Margem Sul, na corda Almada/Seixal, como na zona Barreiro/Montijo, situação que abandonou bem depois das eleições de Delgado.
Posto ao corrente do projecto da acção revolucionária a partir de Beja, não só aderiu como iniciou uma intensa actividade na zona de Almada para aliciar companheiros. Em dois ou três dias, cerca de duas dezenas de elementos aderiram e prontificaram-se a partir para a segunda tentativa de assalto ao quartel. Eram, na sua maioria, operários qualificados do tecido industrial da zona Seixal/Almada, quase todos jovens e casados, mas também outros menos jovens.

O grupo do Barreiro, do PCP

Com o apoio de prestigiados membros do PCP do Barreiro, foi organizado um encontro no Montijo em que participaram novos elementos como Francisco Leonel Lobo e Artur Tavares, além de Manuel Serra e seus companheiros, Eduardo Pereira e Edmundo Pedro. Também eles aderiram de imediato, gizando mesmo um esboço de plano de acção complementar a levar a cabo no Barreiro - poderiam levar a Beja cerca de duas dezenas de companheiros do Barreiro, a maior parte viria com armas tiradas do quartel, para as distribuir por grupos organizados afim de, ainda nessa madrugada, atacarem de surpresa o quartel da companhia da GNR do Barreiro e os postos da mesma na CUF.

Preparação e execução

A semana depois da primeira tentativa de assalto ao quartel de Beja decorrera relativamente bem. Podia-se contar, além dos vinte e nove participantes na tentativa de 2 de Dezembro, com uma vintena de pessoas do grupo de Almada e outra vintena do Barreiro. Este último grupo trazia ainda um alargamento importante (ataque do quartel da GNR do Barreiro) da própria acção revolucionária.
O contacto com os militares que se fizera infrutiferamente antes da primeira tentativa continuava bloqueado dado o cepticismo persistente de Varela Gomes.
O plano de acção para a nova tentativa mantinha-se fundamentalmente o mesmo: concentração da totalidade dos efectivos na proximidade do quartel, aproximação, entrada de surpresa saltando um muro lateral e tomada da casa da guarda; seguir-se-ia a distribuição das armas e fardamentos, explicação da acção aos militares presentes no quartel, pedindo a sua adesão, considerada como muito provável.
Edmundo Pedro e David Abreu deviam, depois, ficar em Beja e assegurar o controlo da cidade e do Quartel.
Utilizando carros e camionetas do quartel, partiriam duas colunas para o Sul do país, tentando chegar rapidamente ao Algarve, para ocupar Faro e outras cidades. Pelo caminho, postos da GNR seriam atacados de surpresa.
Para impedir uma resposta rápida do regime, duas pontes seriam destruídas: a de Alcácer do Sal, importantíssima na época para assegurar a ligação Norte/Sul do país e a ponte da Vidigueira, entre Beja e Évora, para impedir a aproximação de tropas vindas de Évora ou Estremoz.
Entretanto, no Barreiro, depois da chegada de camiões com armas, já portanto depois da tomada do quartel de Beja, elementos revolucionários previamente avisados e concentrados procederiam ao assalto do poderoso quartel da GNR, a partir das traseiras onde não havia sentinelas, mas com janelas por onde seriam lançadas granadas, e as sirenes das fábricas chamariam a população para dar continuidade à acção revolucionária.

Pouco depois da meia-noite de sábado, 9 de Dezembro, sob o comando de Manuel Serra, os revolucionários encontraram-se no local combinado em Beja. Contudo, enquanto se esperava pela chegada de mais elementos comprometidos, nomeadamente o grupo do Barreiro, tornou-se evidente que a acção não era exequível naquela noite de lua cheia, sem nuvens. A aproximação ao quartel tornava-se perigosa, não era possível atacar de surpresa, condição fundamental. Foi consensual que era necessário adiar novamente o assalto ao quartel.
Mas também não foi possível juntar os cinquenta elementos que Manuel Serra considerava o mínimo indispensável para prosseguir a acção revolucionária com sucesso.
Avarias de carros, desencontros no local de partida, hesitações, descoordenação tinham reduzido substancialmente o efectivo que se posicionou para o início das operações. Do Barreiro chegaram sete elementos a Beja, mas tendo chegado atrasado ao ponto de encontro não se pôde juntar ao grupo de Manuel Serra que acabara por suspender o assalto; frustrados, e sem saber o que se passara, regressaram ao Barreiro depois de avisar os companheiros que esperava em Alcácer do Sal o sinal e os explosivos para dinamitar a ponte.
Contudo, Manuel Serra, ao fazer o balanço da situação, mostrou-se contente e confiante de que era possível pôr em execução a Operação Ikaro e apanhar toda a gente de surpresa.
As semanas seguintes vão passar-se a consolidar a organização e a tentar envolver os militares para além da simples promessa de apoio no caso de conseguirem dominar o quartel de Beja.

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