27 de Novembro de
1975, era o dia há muito marcado para o meu casamento. Mais precisamente para a
oficialização do meu casamento com a Maria Machado, com registo fixado
para as 11 horas, na Conservatória da Avenida Guerra Junqueiro. Na realidade já estávamos "casados" de facto que não de registo em conservatória, desde 1968, na clandestinidade.
Estava já
combinado que me ausentaria, por pouco tempo, para o programado registo.
Numa corrida à conservatória, por acaso, apenas a uns 500
metros de distância, casámo-nos, registámos o filho, com um ano e meio de
idade e "legitimámos" a filha com cinco anos. Num ai-Jesus, voltei à
reunião, deixando a meio um sermão da conservadora, que condenava a
minha pressa e o "pouco respeito por acto tão sagrado para uma
família. Que tempos estes!".
O caso não
mereceria mais reparo que não o próprio a tal circunstância não fora estarmos
apenas dois dias após o confronto militar de 25 de Novembro, que
tolheu o passo à revolução, iniciada em 1974 e que ainda mantinha muito
incerto o futuro do país e também o futuro e a segurança do PCP e dos
seus dirigentes.
Eu estava em local
secreto - numa casa da Rua Óscar Monteiro Torres - numa reunião do
"comité militar" com Álvaro Cunhal, Jaime Serra e Ângelo
Veloso.
No restaurante Ginjal, em
Cacilhas. 27 Nov 1975, a olhar para Lisboa, há 2 dias em estado de sítio.
Eis, pois, um
casamento em estado de sítio.
Talvez por isso mesmo e sabendo que o registo estava marcado há muito e que eu não teria tais dotes de premonição que tivesse adivinhado um golpe militar em 25 de Novembro, Cunhal observou com um sorriso: gabo-te a pachorra teres decidido casar numa situação destas!
Talvez por isso mesmo e sabendo que o registo estava marcado há muito e que eu não teria tais dotes de premonição que tivesse adivinhado um golpe militar em 25 de Novembro, Cunhal observou com um sorriso: gabo-te a pachorra teres decidido casar numa situação destas!
Os choques
político-militares entre as forças que favoreciam as transformações
revolucionárias e as que lhes queriam pôr fim culminaram com os confrontos na
madrugada de 25 de Novembro de 1975 que deram a vitória a estas últimas.
Durante esse dia o Presidente da República declarou o estado de sítio e o PCP
viveu o dia sob a ameaça de um grande perigo. As forças vitoriosas iam do PS à
extrema direita e não era certo em que mãos acabaria o poder. Receava-se
que o PCP pudesse ser ilegalizado, ou que algum grupo terrorista de
extrema direita, desses que organizaram atentados e incendiaram sedes do PCP,
da CGTP e de outros partidos de esquerda desencadeassem acções terroristas
contra as sedes ou os dirigentes do partido.
A direcção do PCP
tomou medidas para resguardar, numa clandestinidade provisória, utilizando
casas de recuo e reuniões fora das sedes, os seus principais dirigentes que
continuavam, no entanto, em redobrada actividade.
Foi assim que na
sede do Comité Central, na Av António de Serpa, ao Campo pequeno, em Lisboa,
por essas 8 horas da noite de 25 de Novembro apenas estavam além dos "serviços
mínimos" dois membros do comité central, Georgette Ferreira e o autor
desta memória. Dela ainda ouvi: "ai miguinho" não me posso
demorar". Tenho reuniões com o sector operário da cintura oriental de
Lisboa. Também não me demorei em sair. O meu trabalho era
precisamente entre os oficiais das Forças Armadas. Segui para uma ronda por
unidades militares de Lisboa que incluiu o Depósito Geral de Material de Guerra
em Beirolas e o Ralis, em cuja parada me cruzei com civis fardados
de camuflado, ex-militares mobilizados de emergência e sem despacho do
Estado Maior que o momento não era para tal e onde se realizou um
plenário de militares da unidade, ao qual assisti, entre outros civis,
de variegadas sensibilidades de esquerda.
Foi neste
ambiente de pré-guerra civil que, em paz, me casei. Salvo aquela
reunião que tive de interromper para ir à Conservatória do Registo
Civil tudo sucedeu dentro da mais regular normalidade.
A cerimónia a que
a conservadora emprestou a devida solenidade, teve alguns momentos incomuns.
Quando a Senhora me perguntou pela profissão declinei "funcionário de
partido político". Objectou que isso não era profissão. Garanti-lhe que
que fazia parte das novas profissões surgidas com a revolução. Contrariada teve
de aceitar porque lhe não dei outra.
A seguir ao
casamento fez-se o já acima referidos registo do filho e a
"legitimação" da filha. Legitimação? Na clandestinidade
conseguimos, no meio de peripécias várias (descritas
aqui) registar o bebé no nosso nome verdadeiro apenas com o
meu bilhete de identidade verdadeiro mas já caducado que obviamente não usava na clandestinidade, porque a Maria só possuía
documentos falsos, com nomes falsos, tudo falso! No entanto, por não estarmos casados,
a filha só pôde ser registada, durante a ditadura, como filha ilegítima. Era o máximo que Salazar e a Igreja do cardeal Cerejeira permitiam. Resignámo-nos na
esperança de que um dia a legitimaríamos.
Agora, dois dias após do golpe do 25 de Novembro de 1975, neste importante momento das nossas vidas, tivemos o amparo dos padrinhos, o Ernâni Pinto Bastos e a Maria do Céu Monteiro. Finda a reunião do comité militar a que rapidamente voltara, "noivos" e padrinhos fomos a Cacilhas, ao restaurante do Ginjal, almoçar e observar, da outra margem, Lisboa em estado de sítio".
Agora, dois dias após do golpe do 25 de Novembro de 1975, neste importante momento das nossas vidas, tivemos o amparo dos padrinhos, o Ernâni Pinto Bastos e a Maria do Céu Monteiro. Finda a reunião do comité militar a que rapidamente voltara, "noivos" e padrinhos fomos a Cacilhas, ao restaurante do Ginjal, almoçar e observar, da outra margem, Lisboa em estado de sítio".
1 comentário:
Abraço
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