"Não foi o filme a vencer cá o DocLisboa, o grande evento português para o documentário, - diz Vanessa Rato no Público de 29.03.2010 - mas foi o filme a ir "lá fora" e a voltar a casa com o Grande Prémio do festival Cinéma du Réel (Paris), um dos mais importantes do mundo. Estamos a falar de "48", de Susana de Sousa Dias, uma aproximação de 93 minutos ao que foram os anos da ditadura fascista portuguesa e ao que esta implicou para os que lhe resistiram."
Vi o filme "48" num seminário organizado pelo Movimento Não Apaguem a Memória! em cooperação com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES)- delegação de Lisboa, e realizado na suas instalações no Picoas Plaza.CES em 5 e 6 de Março deste ano (foto à esquerda) Fiquei vivamente impressionado com esta longa metragem de Susana de Sousa Dias tanto mais quanto à partida, sabendo do que se tratava, me parecia muito difícil "agarrar" o espectador durante uma hora e meia. É uma obra de arte densa de dramatismo. Tanto mais cativante quanto austera nos meios. É importante que chegue ao grande público.
Em Paris não pouparam, justamente, elogios a "48".
Ousado e com conteúdos históricos fundamentais: talvez todos os alunos devessem ser obrigados a ver o filme de Susana de Sousa Dias (Enric Vives-Rubio)
ou
Estamos a falar, também, daquele que foi "provavelmente o mais ousado e vanguardista" objecto cinematográfico a passar pela edição de 2009 do Doc (palavras de Novembro último de Sérgio Tréfaut, o director do festival).
Voltemos ao texto de Vanessa Rato no Público:
... "O que é que posso dizer? Estou muito contente. É isso, basicamente", dizia ontem ao P2 a realizadora. "Posso acrescentar que fiquei muito surpreendida com a muito boa adesão não só de profissionais -o júri, claro, outros realizadores... - mas também do público, em geral. Não é um filme, à partida, muito fácil."
... "O que é que posso dizer? Estou muito contente. É isso, basicamente", dizia ontem ao P2 a realizadora. "Posso acrescentar que fiquei muito surpreendida com a muito boa adesão não só de profissionais -o júri, claro, outros realizadores... - mas também do público, em geral. Não é um filme, à partida, muito fácil."
Com dezenas de entrevistas a antigos prisioneiros da polícia do regime, a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), em "48" Susana de Sousa Dias optou por uma montagem livre do seu material, uma montagem mais poética e de estrutura mais minimalista do que a norma tradicional do cinema directo: usou apenas a voz das entrevistas, sobrepondo-a à imagem do desfilar das fotografias tiradas pela PIDE aos seus prisioneiros - preto e branco, frontal e perfil.
Um dos momentos: o rosto de uma mulher de sorriso aberto; um estalo de resistência num lugar de sofrimento - "Nunca lhes daria o gosto de me verem com cara de sofrimento", diz uma das vozes off.
"Os anos passam, mas as fotografias permanecem inalteradas, todas no mesmo formato. Por detrás destas imagens monocromáticas e monótonas, tristes e inertes, as vozes daqueles que, em tempos, foram fotografados relembram as suas memórias, os seus medos, as suas cicatrizes, as suas prisões e o abuso físico, a tortura, humilhações e prisão", "não se trata apenas da história secreta destas imagens, mas também do confronto entre o perpetrador e a sua vítima congelado para a eternidade", lê-se no texto assinado pelo realizador e crítico de cinema Yann Lardeau (Cahiers du Cinéma) com que o filme é divulgado no site do Cinéma du Réel.
Em Paris, a última sessão - de quatro - foi na sexta-feira. Mas uma exposição assim abre portas. Brasil, com o festival É Tudo Verdade (8 a 18 de Abril, no Rio e em São Paulo), estava já agendado desde o Doc, mas Paris trouxe convites, por exemplo, para Turim e a Nova Caledónia.
"Fico muito feliz também pelo filme: trata a nossa história recente, que não tem sido bem tratada e onde há muito trabalho a fazer", dizia a realizadora.
...
"É um filme que deveria ser visto por todos os alunos do secundário. É um filme de construção extremamente elaborada do ponto de vista artístico. O seu conteúdo histórico é extremamente importante e rico, uma razão suplementar para que esteja em sala. Deveria ser de visionamento obrigatório para as cadeiras de História."
"48" é a segunda longa-metragem de Susana de Sousa Dias, depois do também premiado Natureza-Morta, realizado a partir de imagens de guerra, documentários de propaganda e fotografias de prisioneiros políticos também do Estado Novo.
Aos 48 anos, e professora do curso de Arte Multimédia da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Susana de Sousa Dias é também autora da curta "Processo-Crime 141/53 - Enfermeiras do Estado Novo" (2000). Está actualmente em fase de montagem de "Luz Obscura".
"48" foi premiado por um júri constituído pelos realizadores Sólveig Anspach (Finlândia/EUA), Sepideh Farsi (Irão), Michaël Gaumnitz (França) e Bruno Muel (França) e, por fim, pelo director do festival Shadow, Stefan Mayakovsky (Holanda).
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