No passado Sábado, pelas 10 horas um grupo de 30 "defensores da memória" visitou o núcleo museológico do "posto de comando do 25 de Abril" no quartel da Pontinha, Regimento de Engenharia nº.1, em 1974. Foi uma iniciativa do grupo de trabalho
Roteiros da Memória, do movimento
Não Apaguem a Memória, em que participo, dinamizado entre outros por
Jorge Martins, licenciado em História e principal obreiro da iniciativa e deste núcleo museológico.
Sobre a visita escreveu o jornalista
José Teles, membro do movimento e aqui apresento alguns extractos do seu relato (integral
aqui) que inclui a saborosíssima conversa telefónica entre os ministros da Defesa e do Exército da ditadura.
Diz José Teles da visita e do "posto de comando":
“Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas… – uma memória discreta, como deve ser. Mas insuficiente.
Estivemos lá. Lá onde o 25 de Abril se coordenou e decidiu. Regimento de Engenharia 1, na Pontinha, ao tempo uma discreta arrecadação militar pouco utilizada no meio do aquartelamento, hoje pouco mais do que isso, como vamos contar. Mas foi a “sala de operações” do movimento que derrubou a Ditadura, já lá vão 33 anos. Um local para lembrar o sucesso da Revolução dos Cravos. Para gozo e fruição do Povo como nós.
[relatos do levantamento militar]
25ABR74, das 03H05 às 04H20: temos a RTP connosco, o Mónaco caiu. México conquistado sem incidentes – é o Rádio Clube ocupado, já temos emissor. É nosso o Canadá – o Quartel-General passa para os revoltosos. Nova Iorque nas mãos do Povo – é o Aeroporto da Portela sob controlo.
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RE 1, 25ABR74, 03H15: Palavra de honra? Isso é porreiro, pá! Exultante pela facilidade da ocupação da Emissora Nacional, o capitão Frederico Morais, do CTSC, liga para o PC: – Daqui Maior de Lima 18. Informo ocupámos Tóquio sem qualquer incidente. – OK. Parabéns e um abraço. Do outro lado, o cap Morais não pousa o telefone, hesita e insiste: – Alô, Óscar. Peço informe se estamos sós ou se já houve outras ocupações. – Afirmativo quanto à segunda parte da pergunta. Não estão isolados: Mónaco e México já caíram nas nossas mãos. A “seca linguagem das transmissões militares” cede perante a boa notícia: – Eh pá! Palavra de honra? Isso é porreiro, pá! – Ok, aguentem firme. Está tudo a correr bem.
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E sobretudo como este? Ouçam bem (ah se houvesse gravação, uma reconstituição, o texto deste diálogo, nas paredes nuas do auditório, por exemplo!):
RE 1, 25ABR74, 03H16: Está tudo sossegado, senhor ministro… Os homens do MFA na EPTm interceptam e transmitem para o posto de comando esta conversa entre Silva e Cunha, ministro da Defesa, e o general Andrade e Silva, do Exército, o celebrado vencedor do golpe das Caldas um mês antes.
– Está, senhor general? Daqui ministro da Defesa.
– Como está, senhor ministro?
– Então ainda a trabalhar a uma hora destas?
– É verdade. É que tenho de me deslocar ao Alentejo e não estarei cá todo o dia, pelo que estou aqui a arrumar os papéis.
– Alguma coisa no Alentejo?
– Não, nada de importante. Mas interessa-me sobretudo ir até Beja, onde vou assistir a uma transmissão de comando e inspeccionar a Companhia de Ordem Pública. O comandante que lá está é muito amigo do homem do monóculo, a quem telefona muitas vezes. Por isso mandei mobilizá-lo para o Ultramar e coloquei lá outro de confiança, que hoje toma posse.
– Óptimo. E como é que está a situação? Corre tudo bem?
– A situação está sem alteração e perfeitamente sob controlo. Peço-lhe que não se preocupe, pois está tudo sossegado e não há qualquer problema em qualquer ponto do País. Se houvesse alguma coisa, era evidente que eu não ia hoje ao Alentejo, não acha?
– Claro, claro, só perguntei para ir para casa dormir descansado. Então não o maço mais. Boa viagem pelo Alentejo.
Comentário de Otelo:
“ Eram três horas e dezasseis minutos. Tínhamos na mão três objectivos fundamentais para a informação pública e o QG/RMP, raras eram as unidades do Exército que em todo o território não rolavam na estrada ou estavam prestes a fazê-lo, havia vários quartéis onde os comandantes se encontravam detidos ou tinham a sua acção neutralizada, e… os mais altos responsáveis militares do velho regime preparavam-se para dormir, tranquilos, as horas a que se sentiam com direito!”
Ainda assim o que está [no núcleo museológico] vale uma visita – palavra de repórter! A sala de operações tem em tamanho natural as estátuas dos “sete magníficos”, em cera e em acrílico, nos locais que ocuparam naquela noite:
· Otelo Saraiva de Carvalho, major de artilharia, no seu blusão de cabedal, de pé, junto ao mapa de 1973 do Automóvel Clube de Portugal
– “especial para sócios” – onde ia colocando as bandeirinhas assinalando os avanços de cada coluna militar pelas estradas do País.
· Amadeu Garcia dos Santos, tenente-coronel de transmissões, sozinho numa mesa, às voltas com os seus rádios, antenas e telefones.
· Fisher Lopes Pires, tenente-coronel de engenharia, com um telefone de discar, como eram todos naquele tempo, sempre com o cachimbo na boca, dizem os cronistas.
· Sanches Osório, major de engenharia, enviado por Vítor Alves como representante do Estado-Maior naquele grupo de comando, à esquerda de Lopes Pires, tomando notas.
· Luís Macedo, capitão de engenharia, responsável pela segurança do edifício, que protegeu com um perfeito “black-out”, com cobertores nas janelas, e organizara rondas permanentes no exterior: de pé, na única estátua de cera.
· Hugo dos Santos, major de transmissões, sozinho, ao lado, numa pequena mesa, com vários rádios.
· Vítor Crespo, capitão de fragata, de pé junto à porta do fundo, em uniforme de gala, azul-escuro, com botões dourados e o boné branco dos dias de festa Junto às paredes, armários, tão austeros como as mesas, com brochuras e encadernações, de ordens de serviço do quartel e outros documentos.
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Resta referir que, no final da visita,
Raimundo Narciso fez uma interessante exposição sobre a vida na clandestinidade que viveu durante muitos anos, onde se encontrava no dia 25 de Abril, precisamente no que é hoje o Concelho de Odivelas, e
Jorge Martins, em nome do Movimento, referiu os objectivos inerentes ao espaço visitado: Preservar a Memória do local em que na noite de 24 para 25 de Abril de 1974 foram dadas as directivas para que a Revolução fosse um êxito.
José Teles
(Imagens obtidas
aqui e
aqui )