Um belíssimo filme que não tem tido a promoção que merece. Ainda está aí. Agora no Quarteto em Lisboa.
A ficha técnica:
Título original: Khamosh Pani.
Título em Portugal: Águas Silenciosas
Coprodução: Paquistão, França e Alemanha. 2003
Realização: Sabiha Sumar. Paquistanesa de Karachi.
Intérpretes: Kirron Kher (a mãe), Aamir Ali Malik ( o filho Saleem), Arsad Mahmud, Salman Shahid
Cinco prémios, em 2003, no Festival de Locarno, incluindo o Leopardo de Ouro para o melhor filme.
Estreia em Portugal: 18 de Agosto de 2005 (com 2 anos de atraso).
Ayesha é viuva, vive em Charkhi, uma aldeia do Punjab paquistanês, é muçulmana. Ganha algum dinheiro a ensinar o Corão a meninas da aldeia. Mas ela que pertenceu à comunidade de religião Sik ensina um Corão de amor a todos os homens e... a todas as mulheres.
Vive feliz, para o filho de 18 anos que procura ajudar a encaminhar-se na vida. Feliz tanto quanto o permitem os fantasmas do passado, as tenebrosas e ondulantes sombras da água funda do poço da aldeia, onde a mãe e irmãs foram afogadas para prevenir eventual desonra do pai e dos irmãos.
São histórias do passado, de 1947, quando a Inglaterra se vê obrigada a largar o império da India. A maioria muçulmana que habita o Paquistão, a Ocidente e a zona oriental que viria depois dar origem ao Bangladesh, contrariando os propósitos de Gandhi, separa-se da India com o agrado ou apoio da velha Albion.
Esta separação religiosa deu origem a milhões de deslocados de indus e siks para a India e de muçulmanos para o Paquistão. E a guerras e a disputas. Até hoje. Mais de meio milhão de mortos pelo meio.
Naquela aldeia a comunidade de religião Sik abandonou a sua terra que agora pertencia a um novo país chamado Paquistão para glória de Alá. Os siks abandonaram a sua terra mas antes que ela fosse ocupada pelos fiéis de Maomé e pudessem abusar das suas mulheres obrigaram estas, esposas e filhas a suicidarem-se atirando-se ao poço da aldeia. O odioso fanatismo sik à altura do odioso fanatismo muçulmano. Não estava lá o odioso fanatismo católico de antanho nem o mais actual das seitas evangélicas extremistas que apoiam (e se servem) de Bush.
Ayesha não consegue atirar-se ao poço. Ama a vida e não se submete. Perseguida pelos irmãos, pelo pai pelos siks ciosos da sua enorme honra de machos consegue fugir. Integra-se na sociedade muçulmana. Uma muçulmana multicultural, como hoje diríamos, que já sofreu e aprendeu muito para se submeter a ódios fanáticos.
O filho não tem emprego e está num momento instável da sua vida sem saber que rumo lhe dar, tão minguadas são as perspectivas. Apaixona-se por Zubeida que tem planos de estudos universitários que o ama e com ele quer casar.
Estão em 1979 (é essa a data dos acontecimentos) incomparavelmente mais livres que hoje no Afeganistão. Encontram-se a sós, trocam olhares com ternura, acaríciam-se as mãos, beijam-se, sonham sonhos de amor.
É então que chega à aldeia dois jovens clérigos fervorosos catequisadores que querem pôr a vida dos aldeões nos eixos. De acordo com o Corão, com a charia, de acordo com o poder delegado
Título original: Khamosh Pani.
Título em Portugal: Águas Silenciosas
Coprodução: Paquistão, França e Alemanha. 2003
Realização: Sabiha Sumar. Paquistanesa de Karachi.
Intérpretes: Kirron Kher (a mãe), Aamir Ali Malik ( o filho Saleem), Arsad Mahmud, Salman Shahid
Cinco prémios, em 2003, no Festival de Locarno, incluindo o Leopardo de Ouro para o melhor filme.
Estreia em Portugal: 18 de Agosto de 2005 (com 2 anos de atraso).
Ayesha é viuva, vive em Charkhi, uma aldeia do Punjab paquistanês, é muçulmana. Ganha algum dinheiro a ensinar o Corão a meninas da aldeia. Mas ela que pertenceu à comunidade de religião Sik ensina um Corão de amor a todos os homens e... a todas as mulheres.
Vive feliz, para o filho de 18 anos que procura ajudar a encaminhar-se na vida. Feliz tanto quanto o permitem os fantasmas do passado, as tenebrosas e ondulantes sombras da água funda do poço da aldeia, onde a mãe e irmãs foram afogadas para prevenir eventual desonra do pai e dos irmãos.
São histórias do passado, de 1947, quando a Inglaterra se vê obrigada a largar o império da India. A maioria muçulmana que habita o Paquistão, a Ocidente e a zona oriental que viria depois dar origem ao Bangladesh, contrariando os propósitos de Gandhi, separa-se da India com o agrado ou apoio da velha Albion.
Esta separação religiosa deu origem a milhões de deslocados de indus e siks para a India e de muçulmanos para o Paquistão. E a guerras e a disputas. Até hoje. Mais de meio milhão de mortos pelo meio.
Naquela aldeia a comunidade de religião Sik abandonou a sua terra que agora pertencia a um novo país chamado Paquistão para glória de Alá. Os siks abandonaram a sua terra mas antes que ela fosse ocupada pelos fiéis de Maomé e pudessem abusar das suas mulheres obrigaram estas, esposas e filhas a suicidarem-se atirando-se ao poço da aldeia. O odioso fanatismo sik à altura do odioso fanatismo muçulmano. Não estava lá o odioso fanatismo católico de antanho nem o mais actual das seitas evangélicas extremistas que apoiam (e se servem) de Bush.
Ayesha não consegue atirar-se ao poço. Ama a vida e não se submete. Perseguida pelos irmãos, pelo pai pelos siks ciosos da sua enorme honra de machos consegue fugir. Integra-se na sociedade muçulmana. Uma muçulmana multicultural, como hoje diríamos, que já sofreu e aprendeu muito para se submeter a ódios fanáticos.
O filho não tem emprego e está num momento instável da sua vida sem saber que rumo lhe dar, tão minguadas são as perspectivas. Apaixona-se por Zubeida que tem planos de estudos universitários que o ama e com ele quer casar.
Estão em 1979 (é essa a data dos acontecimentos) incomparavelmente mais livres que hoje no Afeganistão. Encontram-se a sós, trocam olhares com ternura, acaríciam-se as mãos, beijam-se, sonham sonhos de amor.
É então que chega à aldeia dois jovens clérigos fervorosos catequisadores que querem pôr a vida dos aldeões nos eixos. De acordo com o Corão, com a charia, de acordo com o poder delegado
pela Mesquita fundamentalista e pelo ditador Zia Ul Haq. Infiltram de intolerância e medo o quotidiano pacífico da aldeia, ameaçam e aliciam.
Saleem deixa-se ir. Afinal talvez tenha um futuro! Importante. Seguro. E talvez até poder. Quiçá pequeno ou não? E, paulatinamente, o que era amor e claridade o fundamentalismo islâmico vai transformando em ódio e trevas.
O general Ziha Ul Haq tomou o poder com um golpe militar há pouco mais de um ano e quer fortalecê-lo. Para isso conta com o clero da Mesquita, com a Idade Média, com a repressão em nome de Alá. Começou por mandar enforcar o 1º ministro Ali Bhutto e encetou uma reforçada islamização do Paquistão com o apoio entusiástico dos Estados Unidos.
Como que por ironia mandava então, o depois nobelizado, Presidente Jimmy Carter. Embaixador da paz chegado à reforma.
É que estava na mira o Afeganistão invadido pelos soviéticos que socorriam o Governo pró comunista ameaçado pelos EUA, Arábia Saudita e agora com maior empenho pelo Paquistão.
Criaram-se milhares de madrassas - escolas corânicas e de ódio. De ódio ao comunismo, de ódio ao Ocidente, de ódio às mulheres. Às suas mães, às suas irmãs, que desprezam e escravizam. Escolas de terrorismo. Ali se formou o exército dos Talibans, ali se organizou e treinou a Al Khaeda, ali se lavou o cérebro a dezenas de milhar de jovens sem trabalho, nem perspectivas, com o fanatismo religioso e as técnicas modernas do terror.
Especialistas norte-americanos, serviços secretos e exército do Paquistão, petrodólares da familia Saud que tem um país como sua quinta.
Exércitos de terroristas ao serviço do "Bem". O "Bem" segundo os cânones fundamentalistas do Islão Wahabista e conjunturalmente um "Bem" do Ocidente.
Primeiro no Afeganistão, depois ali ao lado na Cachemira disputada à India, na Tchechénia e Ásia Central, então ainda soviética, depois na Jugoslávia, na Bósnia e depois... já sem teatros de guerra e abandonados pelos Estados Unidos, em Nova York, nas Twin Towers, em Washington no Pentágono, e na Indonésia, e na Turquia, e na Arábia Saudita, por considerarem estes países ao serviço dos EUA, e num teatro de Moscovo, e numa escola de Beslam, que pertencem ao reino do diabo, nos comboios de Madrid, no metropolitano de Londres e o que falta vir.
Mas o filme não toca no contesto político nem em política, (como eu, ad contrario, faço aqui) salvo na recém chegada ao poder do ditador Zia Ul Haq.
E esse é um segredo que torna bom o filme. Não porque a ignorância acrescente algo, ciência ou arte, mas porque oferece a todos, de esquerda ou de direita, do centro ou agoniados com a política, acompanhar sem o campo de obstáculos dos preconceitos ideológicos, com a cabeça e o coração livre, o drama duma família (e duma aldeia e de um país!) o destroçar do amor, da fraternidade, da sanidade moral e intelectual de pessoas que começamos a amar.
Há que ir ver o filme. As salas estão vazias. Pode-se escolher o lugar. Antes que se vá.
É que estava na mira o Afeganistão invadido pelos soviéticos que socorriam o Governo pró comunista ameaçado pelos EUA, Arábia Saudita e agora com maior empenho pelo Paquistão.
Criaram-se milhares de madrassas - escolas corânicas e de ódio. De ódio ao comunismo, de ódio ao Ocidente, de ódio às mulheres. Às suas mães, às suas irmãs, que desprezam e escravizam. Escolas de terrorismo. Ali se formou o exército dos Talibans, ali se organizou e treinou a Al Khaeda, ali se lavou o cérebro a dezenas de milhar de jovens sem trabalho, nem perspectivas, com o fanatismo religioso e as técnicas modernas do terror.
Especialistas norte-americanos, serviços secretos e exército do Paquistão, petrodólares da familia Saud que tem um país como sua quinta.
Exércitos de terroristas ao serviço do "Bem". O "Bem" segundo os cânones fundamentalistas do Islão Wahabista e conjunturalmente um "Bem" do Ocidente.
Primeiro no Afeganistão, depois ali ao lado na Cachemira disputada à India, na Tchechénia e Ásia Central, então ainda soviética, depois na Jugoslávia, na Bósnia e depois... já sem teatros de guerra e abandonados pelos Estados Unidos, em Nova York, nas Twin Towers, em Washington no Pentágono, e na Indonésia, e na Turquia, e na Arábia Saudita, por considerarem estes países ao serviço dos EUA, e num teatro de Moscovo, e numa escola de Beslam, que pertencem ao reino do diabo, nos comboios de Madrid, no metropolitano de Londres e o que falta vir.
Mas o filme não toca no contesto político nem em política, (como eu, ad contrario, faço aqui) salvo na recém chegada ao poder do ditador Zia Ul Haq.
E esse é um segredo que torna bom o filme. Não porque a ignorância acrescente algo, ciência ou arte, mas porque oferece a todos, de esquerda ou de direita, do centro ou agoniados com a política, acompanhar sem o campo de obstáculos dos preconceitos ideológicos, com a cabeça e o coração livre, o drama duma família (e duma aldeia e de um país!) o destroçar do amor, da fraternidade, da sanidade moral e intelectual de pessoas que começamos a amar.
Há que ir ver o filme. As salas estão vazias. Pode-se escolher o lugar. Antes que se vá.
3 comentários:
Um filme a não perder!
Tenho andado um pouco alheada devido a uma fase menos boa que atravesso, contudo passarei sempre que possivel para o ler, tanto aqui como no "PuxaPalavra. Beijinho
Não vou poder ir e fico com pena - este tipo de assunto interessa-me. Beijo
Gostei muito.O texto está com um ritmo de águas silenciosas, que nos prende e ficamos com pena que acabe.
A parte que não estava no filme é uma boa ajuda para os leitores um bocado incultos(como eu), mas que ficaram curiosos.
Como cronista de cinema a nota é máxima.
Céu
Enviar um comentário