2012/12/29

O meu último salário no PCP


 
Como disse no post anterior, à procura de outro papel (também) encontrei este. É o recibo do meu último ordenado no PCP.
Revela que o salário era de 36.045$00. Feitos os descontos, recebi 31.200$00 (lê-se - isto é para os mais novos - trinta e um mil e duzentos escudos). Estes, os mais jovens, interrogar-se-ão e é muito ou é pouco? Era, de acordo com a política de vencimentos do PC, supostamente o salário de um operário qualificado. Quanto seria hoje? Naquela data o salário mínimo era de 27.200$00 e hoje é de 485 €. Feita a devida proporção à evolução do salário mínimo aqueles 36.045$00 corresponderiam hoje a 643 €.
Na realidade recebia ainda um subsídio de 3.300$00 por cada um dos dois filhos. Feita a proporção daria então um valor atual de 760 euros mensais. 
 
O critério para a definição do salário era aceite por todos os funcionários, mais ou menos. Para muitos dos funcionários sem qualquer qualificação especial, esse salário seria o que conseguiriam obter no exterior ao pequeno universo (passe a contradição) do PCP. E tinham, como todos, a segurança no emprego que, diga-se, tinha um valor não despiciendo.  
Tanto ganhava a camarada da limpeza como Cunhal, o secretário-geral do partido. Era um critério igualitarista, basista, em divergência com os critérios "leninistas" que apontavam para uma diferenciação, ainda que moderada, de acordo com as responsabilidades e qualificações por estas exigidas. O igualitarismo justificava-se na clandestinidade e mesmo no período revolucionário, mas depois tornou-se inadequado e até fonte de alguma suspeição no exterior ao extrapolar-se para o tipo de sociedade que o PCP desejaria instaurar. A maioria dos funcionários, na altura, dada a fraca formação política tomava o igualitarismo por conceito revolucionário por excelência e defendia-o.
 
Creio que mais tarde ( ou já haveria então?) passou a haver diferenciação salarial, mas num leque muito estreito, levando em conta a responsabilidade de tarefas e antiguidade.
Também a favor do PCP prevalecia e creio que prevalece o critério de que deputado ou autarca ganha o que ganhava na profissão de origem, antes de ser eleito e se for funcionário do PCP ganha o salário de funcionário, acrescido de um pequeno subsídio para despesas de representação e não ter no trajar o mau aspeto dos pedintes da Senhora Isabel Jonet.
Seria interessante conhecer a situação atual no PC e nos outros partidos.
Na corrupta sociedade capitalista que vivemos encontramos nas maiores empresas nacionais salários que vão dos 485 euros aos 100.000 euros mensais se incluirmos os prémios. Pornográfico! como diria Bagão Félix.
A contensão salarial no PCP era indicativa da atitude "revolucionária" dos seus principais quadros mas não podia ser confundida com um padrão para a sociedade que almejavam. Aliás ficou célebre e teve um forte impacte negativo uma declaração de Álvaro Cunhal ao declarar o seu salário (à volta do salário mínimo) no fim dos anos 70, creio, e acrescentar que não precisava de mais, num momento em que a CGTP e o PCP exigiam e lutavam por salários bastante mais altos para os trabalhadores. 
 
Quando no início de 1989,  me demiti do  meu emprego, de funcionário do PCP, não tinha nenhuma perpetiva de emprego e aos 50 anos com um currículo todo no PCP a expetativa era negra. A decisão de me demitir vinha na sequência da rotura com a orientação política do partido, contestada por mim e mais alguns outros militantes, durante um ano e meio, no comité central e vencida, como sabíamos, no congresso de Dezembro de 1988.
Felizmente alguns meses depois consegui emprego, numa empresa cooperativa, a PROMOCOOP, como diretor de projetos e a seguir como secretário-geral da Federação Nacional das Cooperativas de Serviços - FECOOPSERV. Passei a ganhar um pouco mais! Quatro vezes mais. Mas nunca me queixei nem me queixo do baixo salário no PC. Era um opção assumida. Vou ver se encontro o registo do meu último salário como funcionário do PCP na clandestinidade. Se o conseguir informo-vos. Creio que com os subsídios de filhos e de renda de casa (o valor desta estava condicionado, por razões conspirativas, à zona que era distribuída a cada funcionário) andava pelos 900$00. Mas não garanto.

2 comentários:

Hipólito disse...

Caro Raimundo
Gostei, ou gosto, como se escreve no feicebuque, deste teu complemento histórico.
Tudo me parece interessante, nomeadamente as reflexões sobre o que ganham uns e outros.
Apenas quero fazer uma anotação ao período em que foste pago por mim! Sim, na verdade, o teu salário na Promocoop/Fecoopserv foi pago com o dinheiro que essa organização desviou do pagamento à cooperativa SEIES. Esta realizara vários projectos em nome da Promocoop que lhe pediu a respectiva factura e apresentou à entidade financiadora. Casanova, o director da Promocoop nunca pagou à SEIES (eram uns milhares de contos, na época)o valor recebido. Pusemos um processo em tribunal, ele foi condenado, mas já ele tinha fechado as instalações e a Promocoop, pelo que ficámos sem a massa...
Tu devias sentir que alguma coisa se passava, mas não te acuso das grandes dificuldades passadas pela equipe da SEIES, que foi mais vigarizada por gente de esquerda, em que confiava, do que por organizações capitalistas, em relação às quais eramos mais exigentes!
Um abraço
Hipólito

Raimundo Narciso disse...

Olá meu Caro Hipólito lembro-me bem de que havia um diferendo e um corte de relações entre ti e o Casanova. Sempre pensei tratar-se de desavenças ideológicas sobre a condução da Promocoop ou da Fecoopserv ou do setor cooperativo em geral. Nunca tinha ouvido falar do que me acabas de relatar.