2011/12/30

Homenagem aos participantes no assalto ao quartel de Beja

O Movimento Cívico Não Apaguem a Memória – NAM, vai comemorar o 50º aniversário do assalto ao quartel de Beja, uma acção revolucionária, inserida num plano para o derrubamento do regime fascista, ocorrida em 1 de Janeiro de 1962.

Realizar-se-á uma sessão aberta ao público, na Biblioteca Museu da República e da Resistência, na Rua Alberto de Sousa, nº 10 A - Zona B, do Rêgo, com início às 15h horas, do dia 14 de Janeiro de 2012. Serão oradores a historiadora Irene Pimentel, o historiador António Louçã, e o coronel Carlos Matos Gomes e contamos com a presença de participantes naquela acção.

O NAM pretende, assim, homenagear todos os heróicos protagonistas desta acção revolucionária que consideramos um marco histórico na luta contra a ditadura do Estado Novo e manter viva a sua memória.

2011-12-28

A direcção do NAM

Beja 1962 - Evocação de uma Efeméride


 
"Os subscritores, participantes sobrevivos da Revolta Armada de Beja - cujo quinquagésimo aniversário ocorre no próximo 1º Janeiro – pretendem, através da divulgação pública desta evocação, contribuir para resgatar a “memória apagada” dessa efeméride, remetida como está para o limbo dos acontecimentos avulsos, insignificativos; situação, aliás, em consonância com muitas outras relativas à memória da resistência antifascista; e em contraste flagrante com o desvelo comemorativo dedicado ao chamado Estado Novo, seus personagens e afins.

Na realidade, o combate e a resistência contra a ditadura e o fascismo em Portugal, constituíram um processo histórico contínuo ao longo de metade do séc. XX. Nesse processo insere-se a Revolta de Beja...porque aconteceu e ficou selada em sangue e morte. A sua importância e significado são-lhe conferidos pelo fluxo histórico no seu todo. Não foi um episódio isolado, fora do contexto da luta comum do povo português pela libertação de um regime ditatorial.

Com efeito, no caso da Revolta de Beja, é fácil estabelecer a sua ligação orgânica com o grandioso movimento de massas/levantamento popular provocado pelas eleições presidenciais em 1958; vindo a ser, exactamente, o general Humberto Delgado o impulsionador da Revolta de Beja e, como tal, figurando em 1º lugar na lista dos 87 incriminados pronunciados para julgamento no Tribunal Plenário Fascista.

Na sequência imediata da Revolta de Beja, eclodiu em Março desse mesmo ano de 1962, a revolta estudantil de maiores proporções contra o regime; o 1ºde Maio desse ano foi assinalado pelos trabalhadores e outros sectores da população com a maior força e amplitude de sempre. E o processo histórico continuou, já com a guerra colonial, por mais 12 anos, até 1974.

Tem sido prática corrente, após o derrubamento do fascismo até aos dias de hoje, minimizar a importância e o significado da Revolta de Beja. Obras antigas e recentes, de pretensa intenção histórico/cronológica, nem sequer anotam o acontecido. Mas bastaria ter consultado a imprensa da época para ver em grandes parangonas a dimensão do impacto e do sobressalto que provocou no País e além-fronteiras. O ditador tão emocionado ficou (citando) “com os acontecimentos das últimas semanas” que perdeu a voz e alguém teve de ler-lhe o discurso na sessão da Assembleia Nacional de 3 Janeiro; e cancelada teve de ser a costumada manifestação de desagravo.

Mas não serão certamente, a contrafacção histórica ou a posição negacionista, até hoje dominante, que conseguirão alterar o significado patriótico/cívico/ético da Acção Revolucionária de Beja; que conseguirão apagar no registo da história o facto de “ter acontecido”; que abalarão as convicções e o orgulho, mantido sempre enquanto houve/houver alento pelos revoltosos de Beja, por terem dado corpo e presença e não terem recuado na hora de confirmação.

A 50 anos de distância temporal, neste ensejo evocativo os abaixo-assinados sentem-se felizes por poderem afirmar que a Revolta Armada de Beja insere-se, com honra, no processo histórico de luta e resistência do Povo Português contra a ditadura e o fascismo.

Simultaneamente, manifestam óbvia solidariedade, respeito e admiração, para com todas as outras “memórias apagadas”, por idênticos e obscuros propósitos de desvalorização do historial da resistência antifascista portuguesa.

Resta portanto, aos resistentes sobreviventes da Revolta de Beja saírem em defesa da causa pela qual empenharam as suas vidas, que continua a ser a Causa da Liberdade pela Justiça Social, a qual, neste século XXI, corresponde a ser a Causa contra o retrocesso civilizacional, contra o neoliberalismo que retira todos os recursos da economia real para entregá-los ao capital financeiro, avassalando o mundo e ameaçando o destino das gerações vindouras.

Assim foi aqui feito,
Evocando o Cinquentenário da Revolta Armada de Beja.
Em Lisboa, na última semana do ano 2011

ass)

Airolde Casal Simões, Alexandre Hipólito dos Santos, Alfredo da Conceição Guaparrão Santos,
António da Graça Miranda, António Pombo Miguel, António Ricardo Barbado, António Vieira Franco, Artur dos Santos Tavares, Edmundo Pedro, Eugénio Filipe de Oliveira, Fernando Rôxo da Gama, Francisco Brissos de Carvalho, Francisco Leonel Rodrigues, Francisco Lobo, João Varela Gomes, José Galo, José Hipólito dos Santos, Manuel da Costa, Manuel Joaquim Peralta Bação, Raul Zagalo, Venceslau Luís Lopes de Almeida, Victor Manuel Quintão Caldeira, Victor Zacarias da Piedade de Sousa.
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Nota: a fotografia não faz parte da "Evocação".

50º aniversário da revolta armada de Beja (2)

Na sequência do post anterior sobre o assalto ao quartel de Beja, em 1 de janeiro de 1962, aqui fica agora novo relato, de José Hipólito dos Santos:

Segunda tentativa de assalto, em 9 de Dezembro de 1961

A primeira tentativa, em 2.12.1961, permitiu confirmar que era possível atacar de surpresa e assaltar o quartel de Beja, verificar as condições indispensáveis para a deslocação de dezenas de pessoas e a melhor forma de estacionamento discreto nas proximidades do quartel.
O empreendimento era viável mas necessitava de mais gente.
Por indicação de Lígia Monteiro, foi organizado um encontro com Piteira Santos, que envolveu ainda Edmundo Pedro e Eduardo Pereira, com a sua pronta adesão ao projecto Ikaro, a disponibilização de um alojamento em Lisboa para Manuel Serra, assim como algumas armas e explosivos e a provável adesão de bastantes pessoas a que estavam ligados.
Por outro lado, Manuel Serra encontrou-se no Pinhal Novo com um seu amigo, José Artur Cardoso, empregado da CP na estação local, que logo se lhe juntou e organizou uma reunião com um pequeno grupo de elementos do PCP do Barreiro. E, sem hesitações, não só aderiram ao projecto de assalto a um quartel como prometeram a adesão de novos elementos.

O grupo de Piteira Santos e o grupo de Almada

Piteira Santos jogava um papel importante nas movimentações legais e clandestinas da oposição. Preso em 1945, foi expulso do PCP em 1950 (com Ramos da Costa e Mário Soares), manteve-se sempre muito dinâmico, nomeadamente estabelecendo pontes nas difíceis relações entre a oposição democrática e o PCP. Seguia com atenção as transformações na “União Soviética” e juntava à sua volta pessoas como Edmundo Pedro, Gilberto de Oliveira, Adolfo Ayala, e, mais tarde, Eduardo Pereira e Alípio Rocha, gente que se afastara do PCP, ou ainda seus militantes, mas em desacordo com a linha “pacifista”. O caso de Joaquim Eduardo Pereira era o mais representativo.
Militante desde 1943, participou no V Congresso do PCP, clandestino, em S. João do Estoril, em 1957, tornou-se funcionário com responsabilidades na reorganização do estratégico sector da Margem Sul, na corda Almada/Seixal, como na zona Barreiro/Montijo, situação que abandonou bem depois das eleições de Delgado.
Posto ao corrente do projecto da acção revolucionária a partir de Beja, não só aderiu como iniciou uma intensa actividade na zona de Almada para aliciar companheiros. Em dois ou três dias, cerca de duas dezenas de elementos aderiram e prontificaram-se a partir para a segunda tentativa de assalto ao quartel. Eram, na sua maioria, operários qualificados do tecido industrial da zona Seixal/Almada, quase todos jovens e casados, mas também outros menos jovens.

O grupo do Barreiro, do PCP

Com o apoio de prestigiados membros do PCP do Barreiro, foi organizado um encontro no Montijo em que participaram novos elementos como Francisco Leonel Lobo e Artur Tavares, além de Manuel Serra e seus companheiros, Eduardo Pereira e Edmundo Pedro. Também eles aderiram de imediato, gizando mesmo um esboço de plano de acção complementar a levar a cabo no Barreiro - poderiam levar a Beja cerca de duas dezenas de companheiros do Barreiro, a maior parte viria com armas tiradas do quartel, para as distribuir por grupos organizados afim de, ainda nessa madrugada, atacarem de surpresa o quartel da companhia da GNR do Barreiro e os postos da mesma na CUF.

Preparação e execução

A semana depois da primeira tentativa de assalto ao quartel de Beja decorrera relativamente bem. Podia-se contar, além dos vinte e nove participantes na tentativa de 2 de Dezembro, com uma vintena de pessoas do grupo de Almada e outra vintena do Barreiro. Este último grupo trazia ainda um alargamento importante (ataque do quartel da GNR do Barreiro) da própria acção revolucionária.
O contacto com os militares que se fizera infrutiferamente antes da primeira tentativa continuava bloqueado dado o cepticismo persistente de Varela Gomes.
O plano de acção para a nova tentativa mantinha-se fundamentalmente o mesmo: concentração da totalidade dos efectivos na proximidade do quartel, aproximação, entrada de surpresa saltando um muro lateral e tomada da casa da guarda; seguir-se-ia a distribuição das armas e fardamentos, explicação da acção aos militares presentes no quartel, pedindo a sua adesão, considerada como muito provável.
Edmundo Pedro e David Abreu deviam, depois, ficar em Beja e assegurar o controlo da cidade e do Quartel.
Utilizando carros e camionetas do quartel, partiriam duas colunas para o Sul do país, tentando chegar rapidamente ao Algarve, para ocupar Faro e outras cidades. Pelo caminho, postos da GNR seriam atacados de surpresa.
Para impedir uma resposta rápida do regime, duas pontes seriam destruídas: a de Alcácer do Sal, importantíssima na época para assegurar a ligação Norte/Sul do país e a ponte da Vidigueira, entre Beja e Évora, para impedir a aproximação de tropas vindas de Évora ou Estremoz.
Entretanto, no Barreiro, depois da chegada de camiões com armas, já portanto depois da tomada do quartel de Beja, elementos revolucionários previamente avisados e concentrados procederiam ao assalto do poderoso quartel da GNR, a partir das traseiras onde não havia sentinelas, mas com janelas por onde seriam lançadas granadas, e as sirenes das fábricas chamariam a população para dar continuidade à acção revolucionária.

Pouco depois da meia-noite de sábado, 9 de Dezembro, sob o comando de Manuel Serra, os revolucionários encontraram-se no local combinado em Beja. Contudo, enquanto se esperava pela chegada de mais elementos comprometidos, nomeadamente o grupo do Barreiro, tornou-se evidente que a acção não era exequível naquela noite de lua cheia, sem nuvens. A aproximação ao quartel tornava-se perigosa, não era possível atacar de surpresa, condição fundamental. Foi consensual que era necessário adiar novamente o assalto ao quartel.
Mas também não foi possível juntar os cinquenta elementos que Manuel Serra considerava o mínimo indispensável para prosseguir a acção revolucionária com sucesso.
Avarias de carros, desencontros no local de partida, hesitações, descoordenação tinham reduzido substancialmente o efectivo que se posicionou para o início das operações. Do Barreiro chegaram sete elementos a Beja, mas tendo chegado atrasado ao ponto de encontro não se pôde juntar ao grupo de Manuel Serra que acabara por suspender o assalto; frustrados, e sem saber o que se passara, regressaram ao Barreiro depois de avisar os companheiros que esperava em Alcácer do Sal o sinal e os explosivos para dinamitar a ponte.
Contudo, Manuel Serra, ao fazer o balanço da situação, mostrou-se contente e confiante de que era possível pôr em execução a Operação Ikaro e apanhar toda a gente de surpresa.
As semanas seguintes vão passar-se a consolidar a organização e a tentar envolver os militares para além da simples promessa de apoio no caso de conseguirem dominar o quartel de Beja.

50º aniversário da revolta armada de Beja (1)

Na madrugada de 1 de Janeiro de 1962 um grupo de revolucionários tomou de assalto o quartel de Beja, ponto de partida de um plano para o derrubamento do regime fascista de salazar. Mas a acçao teve antecedentes e deles fala José Hipólito dos Santos que em Janeiro de 2012, editará um livro sobre tais acontecimentos:
«Primeira tentativa para assaltar o quartel de Beja, em 2 de Dezembro de 1961.

«Neste mês de Dezembro comemoram-se os 50 anos da tentativa revolucionária, vulgarmente conhecida por Golpe de Beja e que se concretizou em 1 de Janeiro de 1962. Foi precedida de duas tentativas que se realizaram em 2 de Dezembro e outra em 9.
Antes, Manuel Serra entrara clandestinamente em Portugal em fins de Outubro de 1961. Queria pôr em acção o Projecto Ikaro que elaborara em S. Paulo com o general Humberto Delgado. Depois de contactos diversos no Norte do País e com o grupo de Varela Gomes, que não se mostraram confiantes na possibilidade de uma acção militar tal como lhe estava sendo proposta, Manuel Serra decidiu assaltar o quartel de Beja. Tinha a vantagem de estar localizado fora da zona urbana, o que facilitava a aproximação para uma acção de surpresa, além de se situar numa região onde se pensava ser fácil conseguir um grande apoio popular.
Programou o assalto ao quartel num dos dois seguintes fins-de-semana alargados por serem feriados as sextas-feiras (1 e 8 de Dezembro). Era previsível que as guarnições militares, em geral, estivessem muito desfalcados dos seus comandos e que o mesmo se passaria com as restantes forças policiais.
Foi assim que, dispondo de uma trintena de pessoas, resolveu avançar para Beja, prevenindo Humberto Delgado, em Marrocos, através de um telegrama cifrado que lhe enviou, em 28 de Novembro, o que significaria que a acção seria desencadeada no dia 2 de Dezembro.
Efectivamente, nesse dia pela tarde, começaram a partir carros para Beja para fazer um percurso que, naquela época, exigia 4 horas e meia sem paragens. Deviam concentrar-se num pequeno bosque a dois km do quartel, após o que seguiriam a pé, em fila indiana, dos dois lados da estrada até á proximidade do muro que envolvia o quartel .
O plano consistia em cortar, num dado ponto, o arame farpado que rodeava uma parte do quartel, avançar, a coberto da escuridão, para a “Casa da Guarda”, e tomá-la de surpresa. Com as armas ali obtidas assaltariam o edifício de comando e prenderiam os oficiais presentes que não aderissem à acção revolucionária. Depois esperavam mobilizar uma parte dos soldados ali alojados e sair para assaltar a esquadra da polícia e o quartel da GNR, com pequenos “comandos” de civis e militares aderentes.
Mas, Manuel Serra ainda que tivesse comunicado a Humberto Delgado que iria pôr em execução o projecto Ikaro, manteve-se atento à situação, tudo foi posto em marcha, verificaram que era possível achegar-se ao quartel sem problemas, ainda que este tivesse uma considerável extensão de perímetro, mas entendeu que era melhor esperar as promessas de mais homens para passar ao ataque. Mandou retroceder a sua força de ataque que se concentrara num local a cerca de 1 km do quartel e o acompanhara até às imediações do quartel. Sem entusiasmo, mas confiantes de voltar em maior número, regressaram às suas casas.
Esse primeiro grupo de pessoas era constituído essencialmente por amigos do Manuel Serra, do Bairro da Liberdade e do Bairro da Serafina, mas também por amigos da Lígia Monteiro (Gualter Basílio, António da Graça Miranda e Raul Zagalo G. Coelho) e um pequeno grupo de católicos monárquicos.
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[1] Naquela época a circulação automóvel era muito reduzida, sobretudo à noite…