2016/02/28

O Homem que Calculava

É um livrinho já muito decrépito de uma edição brasileira de 1949, que guardo religiosamente para deixar em herança aos netos.
Conta histórias surpreendentes muito apreciadas para quem gosta de números.
São histórias ao alcance de catedráticos com pelo menos a antiga 4ª classe da instrução primária, portanto não se assustem, os que são de Letras! Comecei a fazer um scaner do livro quando me lembrei que já não estamos em 1949 e portanto - quem sabe! isto não estará aí na net. E está. Deixo-vos o link no fim.
A história é contada pelo xerife Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan (crente de Allah e de seu santo profeta Maomé) em 19 da Lua do Ramadão de 1321.

Conta ele:
“Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso! Voltava eu, certa vez, ao passo lento do meu camelo, pela estrada de Bagdad, de uma excursão à famosa cidade de Samarra, nas margens do Tigre, quando avistei, sentado numa pedra, um viajante, modestamente vestido, que parecia repousar das fadigas de alguma viajem. Dispunha-me a dirigir ao desconhecido o “sala” trivial dos caminhantes quando, com grande surpresa, o vi levantar-se e pronunciar vagarosamente: - Um milhão, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e quarenta e cinco! Sentou-se em seguida e quedou em silêncio, a cabeça apoiada nas mãos, como se estivesse absorto em profunda meditação.
...
Encurtando razões: Malba Tahan estava perante “o Homem que Calculava” um sábio dos números.

- Chamo-me Beremiz Samir e nasci na pequenina aldeia de Khói, na Pérsia, à sombra da pirâmide imensa formada pelo Ararat. - Apresentou-se o sábio.

Era um sábio, não era um banqueiro e por isso era pobre e ia a pé para Bagdad. Ficaram amigos e Malba Tahan acomodou-o no seu camelo e seguiram viagem.

- Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção – conta-nos Malba Tahan - quando nos ocorreu uma aventura digna de registo, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista. Encontramos perto de um antigo "caravançará" meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:

- Não pode ser! - Isto é um roubo! - Não aceito!
         O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança estes 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta por um segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas?

- É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!
                     Neste ponto – diz Malba Tahan –   procurei intervir na questão:
- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viajem se ficássemos sem o camelo?
- Não te preocupes com o resultado, ó Bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou a fazer. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.
Tal foi o tom de segurança com que ele  me falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal [camelo] que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos - fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem em número de 36. E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
- Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão. E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: -  E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação. E disse por fim ao mais moço: E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, o teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado! E concluiu com a maior segurança e serenidade:

Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos.
- Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois – disse Beremiz. Um pertence como sabem ao bagdáli, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!
- Sois inteligente, ó estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos. – Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!

E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos jamales do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia: - Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!
E continuaram a nossa jornada para Bagdad.
Fica para si amigo leitor a tarefa de explicar o manifesto milagre, que não podemos deixar de atribuir ao amigo Jeremi ou talvez a Allah ou ao seu santo profeta Maomé.
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Tota a história e todo o romance aqui; http://www.coordenacaopedagogica.com.br/file.php/1/PAS_2009/Livro_-_Malba_Tahan_-_O_homem_que_calculava_ilustrado_.pdf