O meu amigo quiz pôr o seu casamento "no ar", "nas núvens", "na internete, ou lá o que é isso mas não ponhas o nome." E assim, mesmo sem pedir autorização aos outros implicados deixo-vos aqui, anónima, a história deste casamento ou, mais rigorosamente, do seu registo civil.
À esquerda está a madrinha, a seguir a noiva, chegado a ela o noivo e à direita, o padrinho. Os noivos eram funcionários do PCP e os padrinhos professores de Matemática. No registo a conservadora pediu a profissão e o noivo respondeu que era funcionário de partido político. Isso não é profissão, reagiu, legal, a Drª. Estávamos em 27 de Novembro de 1975! São profissões novas, redarguiu o meu amigo que se casava e, para maior desconcerto da conservadora, acrescentou: e já agora aproveitamos para registar um filho com um ano e "legitimar" uma filha com cinco que apesar de registada o regime fascista que há pouco foi derrubado, só porque os pais não estavam casados considerava "filha ilegítima".
Os noivos, digo-vos aqui à puridade, se bem que hoje isso seja trivial, estavam amigados. Amigados, ou juntos ou amantizados como preferirem.
Registado o enlace foram festejar o casamento com um almoço muito privado, só os quatro, ao Ginjal, um restaurante simpático, em Cacilhas.
A singularidade do casamento não fica por aqui. É que dois dias antes tinha havido o golpe do 25 de Novembro: comandos com Jaime Neves na rua a cercar o Regimento de Lanceiros (Polícia militar) na Ajuda, estado de sítio... Melo Antunes, uma referência central da revolução portuguesa (uma sua biografia saiu agora), foi à TV travar a extrema direita que queria galgar o Grupo dos Nove (Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat,...) e garantir que o PCP não seria ilegalizado porque "era indispensável ao regime democrático". Na dúvida, os principais dirigentes do PCP abandonaram nesses dias as sedes do partido e o noivo reunia na manhã do casamento com Álvaro Cunhal, Jaime Serra e vários outros dirigentes, em local secreto, na residência do camarada JM.
- Camaradas queria informar-vos que tenho o meu casamento marcado para hoje, 27, ao meio dia. Há um mês quando marquei data não adivinhava um 25 de Novembro assim. É aqui perto, na Av. Guerra Junqueiro (Lisboa), de modo que não demoro, saio um quarto de hora antes e vou lá numa corrida. Dispensaram o meu amigo de regressar à reunião e o noivo lá foi a pensar que se lixe a troica que se lixe a contra-revolução, ela que espere!
3 comentários:
Verificar C Coment
Raimundo, sempre histórias emocionantes - com ternura e coragem à mistura. No fundo, uma vida cheia; não apenas de experiências, mas principalmente de vivências.
Forte abraço.
Inácio Videira
Bom relembrar os afetos, revoluções e contra revoluções...
Abraço
>ana
Enviar um comentário