2012/07/22

Fiquei amigo do bispo mas, para meu prejuizo, ele... não sabe

D. Januário Torgal, o capelão-mor das forças armadas é conhecido pela sua frontalidade. Fazendo jus dessa sua virtude há dias, nos media, criticou asperamente o governo pela sua insensibilidade social, por descarregar sobre os mais necessitados os custos da crise e poupar os ricos que dela beneficiaram e beneficiam. Não receou acusar de “altamente corrupto" o governo de Passos Coelho e, sem subterfúgios, colocou-se do lado dos mais fracos.
Os catolicíssimos membros do Governo e seus papagaios de serviço logo se manifestaram escandalizados com o bispo, perderam a compostura, produziram acusações e aleivosias contra o prelado e revelaram assim que a sua igreja é a antiga, a do Cardeal Cerejeira. Passos e Ciª, desnorteados com as vaias que vão colecionando quando visitam o povo, revelaram-se afinal uns assanhados filisteus.
Sou um contumaz incréu, não frequento a igreja e não tenho convivência com bispos. Creio, aliás, que apenas uma vez surgiu a oportunidade de conversar com um bispo e esse foi, não por acaso, D. Januário Torgal. Não por estarmos ambos do lado dos mais fracos, não por ambos estarmos visceralmente contra a corrupção ou contra as prepotências de poderosos. D. Januário Torgal cruzou-se comigo e, dispensando apresentações, convidou-me para um “cafezinho”.

Foi assim:

As Forças Armadas organizaram no Instituto de Altos Estudos Militares, em Lisboa, à Junqueira, em 1998, salvo erro, um pomposo debate sobre o serviço militar obrigatório, cuja extinção estava em debate na Assembleia da República, em ligação, por videoconferência, com os comandos de todas as outras regiões militares. Presente o ministro da defesa de então, António Vitorino, muitos deputados em especial os da comissão parlamentar de Defesa, qualidade que ali me levou, e umas largas dezenas de generais, coronéis e outras altas patentes militares. Pedi a palavra a seguir a uma intervenção do então deputado do PSD Durão Barroso e, para além de dizer o que me parecera adequado e necessário, acerca do tema em discussão, aproveitei o momento para dizer com bonomia e educação que o que Durão Barroso acabara de dizer era um disparate e revelava  que não sabia do que falava. Durão para atrair a simpatia dos chefes militares defendeu a continuação do serviço militar obrigatório mas com um argumento  falso o  de que em toda a história de Portugal, da fundação à atualidade, o serviço militar tinha tido a natureza que ainda então conservava, de serviço militar obrigatório.
Falou a seguir Ângelo Correia, um dos grandes especialistas em assuntos militares, e com quem já mais de uma vez me encontrara em debates sobre assuntos de defesa nacional. Começou por elogiar a minha intervenção e atirou à ilustre assistência uma “boutade”: “ queria afirmar que o deputado … (e disse o meu nome) é, entre os civis, um dos maiores especialistas em assuntos militares". Não sei o que levou Ângelo Correia a fazer ali tal afirmação. É do seu estilo fazer destas coisas. Talvez que o motivo tenha sido o justo reconhecimento, que eu confirmo e aplaudo, dos meus conhecimentos mas inclino-me para que pretendeu, por algum despique partidário, afrontar Durão Barroso, sublinhando a ignorância de que eu o acusara.

Pouco depois fez-se um intervalo no debate. Foi aí que ao caminhar para o coffe break  me cruzei com D. Januário Torgal que, sem que tivéssemos tido anterior conhecimento, se me dirigiu cordialmente e me desafiou: “Venha daí beber um cafezinho”. Uma coisa assim, simples e cativante, da parte de um representante de Deus para um relapso ateu, fez-me ficar amigo do bispo e sem que ele, para meu prejuízo, até hoje, o saiba. Pensei para comigo, terá acreditado naquelas balelas do Ângelo Correia?

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