"Era na Primavera de 1506. A irregularidade das estações nos dois anos antecedentes, irregularidade que se protraiu até ao ano seguinte, deu em resultado a fome. Ainda naquela época a falta de subsistências trazia, em regra, por companheiro um flagelo, então trivial, não só por esta, mas também por outras causas. Era a peste.
Desde Janeiro que a peste redobrava de intensidade em Lisboa, e nos princípios de Abril era tal o progresso da epidemia que a mortalidade subia em alguns dias ao número de cento e trinta indivíduos. Faziam-se preces públicas, a 15 do mês ordenou-se uma procissão de penitência, que, saindo da Igreja de S. Estevão, se recolheu na de S. Domingos, seguindo-se a celebração de preces solenes. Durante elas o povo implorava em gritos a misericórdia divina. No altar da capela chamada de Jesus havia naquele tempo um crucifixo, e no lado da imagem do Salvador um pequeno receptáculo, que servia de custódia a uma hóstia consagrada. No excesso da exaltação religiosa houve quem cresse ver aí, e talvez visse, uma luz estranha. Espalhou-se logo voz de milagre. Ou que os dominicanos, aproveitando a ilusão, realizassem artificialmente a suposta maravilha ou que a credulidade, fortalecida pelos terrores da peste, predispusesse cada vez mais a imaginação do vulgo para ver aquele singular clarão, é certo que ainda nos dias seguintes havia quem afirmasse divisá-lo perfeitamente. Todavia, o voto mais comum era que essa maravilha não passava de uma fraude, e ainda muitos dos mais crentes suspeitavam que o facto existira apenas nas imaginações encandecidas. Durante quatro dias a crença no prodígio foi ganhando vigor. No domingo seguinte ao meio-dia, celebrados os ofícios divinos, examinava o povo a suposta maravilha, contra cuja autenticidade recresciam suspeitas no espírito de muitos dos espectadores. Achava-se entre estes um cristão-novo, ao qual escaparam da boca manifestações imprudentes de incredulidade acerca do milagre. A indignação dos crentes, excitada, provavelmente, pelos autores da burla, comunicou-se à multidão. O miserável blasfemo foi arrastado para o adro, assassinado e queimado o seu cadáver. O tumulto atraíra maior concurso de povo, cujo fanatismo um frade excitava com violentas declamações. Dois outros frades, um com uma cruz, outro com um crucifixo arvorado, saíram então do mosteiro, bradando heresia, heresia!
2006/04/18
O POGROM DE LISBOA, EM 1506
2006/03/31
O suave milagre de Santa Margarida

Chegado a oficial o cadete ganhará o direito a tratar com sobranceria, ou
até com sadismo os soldados recrutas a si entregues para que deles “faça uns
homenzinhos”. Ganhará o direito a frequentar a sala dos senhores oficiais e a
ser tratado por Senhoria. Dá-me licença meu Aspirante, saiba Vossa Senhoria que
... em sentido e depois de bater a pala que é como quem diz, depois de fazer a
continência.
O segundo ciclo da instrução, dois meses e meio depois, já o fiz no CIAAC, em
Cascais. A seguir o Exército mandou-me para o GACA 2, em Torres Novas. Aí sim,
já feito Aspirante a Oficial Miliciano, isto é, oficial, o que dá da vida
militar, uma perspectiva muito diferente!
Ninguém percebeu? CIAAC quer dizer Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea
e Costa e a outra sigla GACA 2, Grupo de Artilharia Contra Aeronaves nº 2. Grupo, porque se trata da arma de Artilharia. Porque se de infantaria se
tratasse era batalhão e esquadrão no caso da arma de cavalaria. É sempre bom
aumentarmos a nossa cultura geral.
Contarei noutra altura essa inolvidável experiência de comandar homens.
Conhecer jovens. As suas origens, os seus problemas, as suas vidas, as suas
aspirações. Conhecer o país. O país dos homens e das mulheres. Na altura era só
de homens. Há quem não aproveite esta rara oportunidade e trate os trinta
soldados instruendos à sua conta como seres reduzidos a um número, que têm de
aprender a marchar e a ser submissos perante os superiores. Deixo claro que, da
minha experiência, concluí que os maus tratos ou formas menos dignas de tratar
os soldados partiam em geral, não de oficiais do quadro permanente mas de
alguns oficiais milicianos frustrados e de mau carácter.
Doze meses de serviço militar foi quanto me exigiram e logo me despacharam o
que me fez muito jeito porque assim regressava sem grande perda de tempo à
universidade.
Não voltei logo ao Técnico em Lisboa, mas à Faculdade de Ciências, onde se
podia fazer os três primeiros anos de engenharia no meio de imensas raparigas
que, indecentemente, rareavam no IST.
Menos de um ano após a ida para a tropa, na sequência do início da guerra
colonial, logo a Pátria requisitou de novo, a minha expertness militar e
a deixar-me, inconsolável com a perda dos carinhos da nova namorada. E lá fui dar com os ossos na gloriosa Divisão Nuno
Álvares. É talvez a partir daqui que passei a ficar um admirador do nosso
antigo Condestável, um atrevido, corajoso, arrojado e meio doido, fidalgo de
meia-tigela, desafiador de castelhanos, místico com visões de santos e do
próprio Cristo. É ele que está na origem da futura Casa de Bragança que viria a ser a mais
importante Casa do reino e berço da quarta dinastia, de D. João IV, em 1640 a D.
Manuel II em 1910.
Alferes Miliciano no Quartel-General da 3ª Divisão, 1962
Agora estava eu ali, em Santa Margarida, na 3ª Divisão, a Divisão Nuno Álvares, orgulho da nação, em 1962, a responder ao chamamento da Pátria que requisitava os meus serviços neste momento em que os "inimigos" assediavam Portugal em África e em que na Rádio se gritava, sincopadamente "Angola é nossa! É nossa! É nossa!" no programa da Emissora Nacional "Rádio Moscovo não fala verdade",
Campo Militar de Santa Margarida.
Estava no Campo Militar de Santa Margarida já como veterano e promovido a alferes. No quartel-general não havia nada para fazer. A minha função era preencher um lugar bem determinado no organigrama da divisão. Oficial de operações. Deram-me uns manuais da NATO para traduzir e eu lá ia traduzindo, entre o almoço e o jogo de ténis com o chefe de estado-maior, entre umas braçadas na piscina do Campo de Santa Margarida ao fim da tarde e o jogo do king ou do póquer, na sala de oficiais, depois do jantar. À quinta feira depois de almoço embarcávamos na carrinha para Lisboa que nem uns pardais em alvoroço, sequiosos de saias, que ali toda a semana, quando não quinze dias, se calhava um serviço ao fim de semana, só havia as das coronelas já completamente passadas aos nossos olhos então muito azougados e inexperientes. Falei em saias porque então as mulheres não usavam calças.
Às vezes havia prestação de serviços de “intendência” mas isso era só para soldados. Os oficiais mesmo à fome, faziam má boca para aquilo. No meio dos pinhais ou numa arrecadação com vigilância à distância, uma que outra mulher de bom coração vinha por ali dar ânimo à tropa. Nos exércitos de quinhentos, seiscentos e depois, estas mulheres, as "aguadeiras", seguiam em trupes, os exércitos e sem dúvida ajudavam-nos a manter senão a moral pelo menos o moral.
Em Santa Margarida, deitada de costas, de pernas abertas em cima dum cobertor a resguardar-lhe as viçosas nádegas do mato áspero, ali estava, numa tarde de Junho, mais uma vez, aquela alma benfazeja entre os 25 e os 35 anos. Por apenas vinte e cinco tostões à peça, que ali a clientela era de parcos haveres, aquela abnegada servidora do Estado prestava um meritório serviço público. Numa tarde despachava uns trinta ou quarenta sequiosos soldados formando bicha. O esquema organizativo, a rapidez e as moedas a crescerem, funcionava a seu favor porque se alguém se demorava com sofisticações despropositadas, logo os da fila, de arma em riste mas ainda embainhada, gritavam vá, vá, vá toca a andar, pá, que é isso agora!?
Mas o caso que eu queria contar era o seguinte: estávamos todos ali, no salão nobre do quartel-general a festejar qualquer coisa – havia sempre um pretexto honesto porque havia 900 contos (era dinheiro então) orçamentados para despesas de representação. Ora com a guerra colonial, os exercícios da NATO estavam suspensos mas não as despesas de representação. Na ausência das centenas de oficiais estrangeiros da Nato que anualmente estavam presentes em exercícios e festanças tínhamos de nos sacrificar e cumprir escrupulosamente os orçamentos. Estávamos portanto ali umas dezenas largas de oficiais de todo o Campo a beber uns champanhes, a comer umas tapas com caviar, salmão e outras iguarias, enfim a festejar a Pátria, enquanto não se malhava com o canastro em Angola, quando um estafeta me chega ali, eu de serviço, por acaso, e me obriga a acorrer a uma qualquer emergência sem importância mas obrigatória. Quando regresso e me dirijo, displicente, para uma mesinha de comes e bebes, reparo num sepulcral silêncio à minha volta, um silêncio que me fez parar e olhar em redor. Deviam ter combinado. Então o chefe de estado-maior, o ten-cor G. J., na presença dos dois brigadeiros, dos comandantes e restante oficialagem do Campo, vira-se para mim e disse de modos que todos ouvissem bem "então afinal o nosso alferes Narciso é que é o comunista cá do Campo!" Julgo não ter sido fulminado por nenhuma síncope ou raio porque momentos depois dei por mim ainda ali especado mas… para morrer. Talvez fosse um instante mas na altura não fui capaz de avaliar. Na minha total estupefacção (porque o caso é que ainda que ninguém suspeitasse, não sendo eu "o" comunista lá do Campo era no entanto "um" dos poucos oficiais comunistas lá do Campo) comecei a pensar, julgo eu, que teria que dizer qualquer coisa. Ficar calado parecia-me pior. Mas dizer o quê?
Sou sim senhor com muita honra?
Era parvoíce e pouco engenho. Além de que, é claro... passavam-me a soldado e ia bater com os costados a Penamacor, ao batalhão disciplinar, ou talvez mais certamente ao forte de Caxias ou de Peniche, que a PIDE estava-se nas tintas para regulamentos da tropa.
Juro que não sou e o meu Chefe é um grande mentiroso.
Também não me pareceu resposta eficaz. Deus Nosso Senhor ou a Virgem Maria ou o Santo Condestável, dada a nossa cumplicidade, socorreu-me naquele mortífero transe e pela minha boca disse descontraído: “ora meu chefe, se tivesse dito da maçonaria, então é que acertava!” Ainda eu ouvia assustado o resto das minhas palavras quando explode uma gargalhada geral que só a seguir percebi porquê. É que toda a gente sabia, menos eu, afinal, ou se não sabia pelo menos dizia que um dos brigadeiros era "irmão" e usaria o legítimo avental dos pedreiros livres nas cerimónias da praxe. O próprio chefe de estado-maior se virou para ele e riu a bom rir. Um milagre! Se há milagres aquilo foi um milagre! Milagre que ainda hoje recordo agradecido ao Condestável.
Artes plásticas e poesia

O poster é de Olbinski, como se percebe, mas o poema... esse é da minha amiga Monalisa, no Sítio da Saudade:
Se olhar para cima talvez ainda veja
Um resto do céu do dia de hoje
As tardes chegam depois
Cada vez mais tarde
E eu?
Saberei o caminho de novo?
2006/03/29
O Museu Hermitage em S. Petersburgo

São Petersburgo. Vista da praça do palácio de Inverno (à direita), com o Edifício do Estado Maior General, à esquerda, integrado no complexo do Museu Estatal do Hermitage, constituído por 5 palácios.
Ao centro vista do Palácio de Inverno do lado da praça e em baixo vista do Palácio de Inverno do lado do Rio Neva.
O museu tem mais de 3 milhões de obras de arte, desde a pré-história aos tempos actuais e desde arte europeia, Médio e Extremo Oriente. [link]
S.Petersburgo, depois Petrogrado e a seguir à revolução de Outubro de 1917 Leninegrado, voltou ao nome primitivo após o fim da União Soviética e foi a capital dos czares até à revolução comunista.
É a segunda maior cidade da Rússia, depois de Moscovo. Foi fundada por Pedro, o Grande (1682-1725), para consolidar a conquista de território até ao mar com o objectivo de abrir à Rússia o caminho do Ocidente. Construída numa zona pantanosa, sobre 100 ilhas, no delta do Rio Neva, abre-se para o Golfo da Finlândia. Os canais e as 700 pontes estão na origem da designação de Veneza do norte.
Algumas obras de arte do Museu Hermitage
2006/03/11
Memórias da Guerra colonial
Já aqui [link] publiquei um dramático testemunho seu da guerra colonial na Guiné e agora apresento outro que teve a gentileza de me enviar e que já foi publicado em dois muito interessantes sítios da rede, o Blog de Luis Graça & camaradas da Guiné [link] onde se facultam valiosos testemunhos da guerra colonial da Guiné e o site Guiné Bissau Contibuto - de Didinho onde podemos conhecer e amar a Guiné Bissau e o seu povo. Deste último site tirei as fotografias da Guiné que vão com o texto assim como a de Amílcar Cabral. Dele são estas palavras num curso de quadros da Guiné Bissau, em 1969, algum tempo antes de ser assassinado por um comando militar português, na sua residência, na Guiné Konacri.: " ... jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde.


Portanto, segue paralelamente ao caminho por onde vim para chegar ao local da tabanca. Esta bolanha é uma espécie de braço do rio na época das chuvas, mas na época seca tem mais capim que água. Está à vista. Assim sendo, e se estou a ver bem, se regressarmos ao longo e por dentro da bolanha, vamos ter a umas centenas de metros mais a norte do sítio onde atravessámos o rio. E tem mesmo de ser assim. Não vejo outra alternativa mais segura. E também me parece que, se o local de atravessar o rio era aquele que me indicou o guia quando viemos para cá, é porque não havia outro mais acima. Não, não estou disposto a correr o risco de atravessar noutro sítio que não seja o que já conheço. Esta bolanha não a conheço e não tenho, portanto, outra alternativa senão ir por ela, com cuidado, só se tiver azar é que vou cair nalgum buraco. Mas, quando chegar ao rio, já sei que há um lugar seguro para passar, Sucuta. Temos de descer até lá. Um rio não é uma bolanha, para se ir assim à aventura.Tem que ser. Descemos a bolanha até ao rio e vamos passá-lo no mesmo sítio da vinda. O problema é que, se nos pomos agora a andar pela bolanha abaixo, caçam-nos que nem patos na água. Topam-nos no meio e é só apontar calmamente. Quer dizer que não posso largar daqui em pleno dia. Não tropeço numa mina nem caio num buraco, mas o mais certo é não dar dois passos sem levar uma rajada nas costas. Merda! Será que tenho mesmo de fazer isto à noite, cair num buraco e enfiar-me pelo rio dentro?... Puta de vida! Mas, não, não posso estar condenado, tem de haver uma saída. Deixa pensar mais um bocado. Vou refrescar os miolos outra vez... mais uma chapelada de água... Parece sopa, mas é mesmo boa! A vantagem de ter abancado neste charco é que tenho água para me refrescar, quanta quiser.

Valha-nos isso... Afinal, lamento-me com sede, mas estou rodeado de água por todos os lados, como as ilhas. É só enfiar a cabeça no charco e abrir as goelas... Mas há por todo o tipo de bicharada. Eu seja cão se vou beber esta porcaria. Prefiro beber mijo.
2006/02/23
Frida Kahlo no CCB, em Lisboa
Esta exposição incluirá também uma colecção de fotografias e objectos pessoais pertencentes àquele museu mexicano e que oferecem um registo da vida da artista desde a infância até à sua morte.
Passados 52 anos sobre a sua morte, a pintura de Frida Kahlo (1907-1954) continua a despertar o interesse do público devido à sua arte controversa e à história da sua vida, marcada pelo sofrimento físico devido à doença e por amores difíceis.
Entre 1926, quando pintou o seu primeiro auto-retrato, e a sua morte, quase trinta anos depois, Kahlo produziu cerca de duas centenas de quadros.
A relação amorosa com o pintor muralista mexicano Diego Rivera despoletou ... (continua aqui)

Frida e Diego Rivera (seu marido)
Auto-retrato (dedicado a Trotsky, 1937)
As duas Fridas(1939. Divórcio de Rivera)
A coluna partida (1944)
A Corçazinha
1949
2006/02/02
Woody Allen no seu melhor

Um drama moralmente incorrecto onde os críticos descobrem Fiodor Mikhailovitch Dostoievski, Ingmar Bergman e Alfred Hitchcock. Uma realização magistral.
Depois Hoody Allen move esta gente rica e aquela gente pobre em volta uma da outra. Coloca em conflito o amor, a dignidade, a paixão com a ascensão social e a fortuna. O dinheiro e o amor. A fidelidade e a traição. A vida e a morte.
Ficha do filme:
Data de estreia:2006-01-19
Título original:Match Point
Realização:Woody Allen
Elenco: Scarlett Johansson; Jonathan Rhys-Meyers; Emily Mortimer; Brian Cox; Matthew Goode; Penelope Wilton; Layke Anderson; Morne Botes; Ewen Bremner; Scott Hanay; Rose Keegan
Argumento:Woody Allen
Produção:Michael Dounaev; Stephen Tenenbaum; Jimmy de Brabant
Estúdios:British Broadcasting Corporation (BBC); Magic Hour Media; Thema Production; Invicta Capital Ltd.; BBC Films
Género:Drama / Thriller
Duração:124 min.
País:Reino Unido
IMAGENS DO FILME
2006/01/29
54% de votos puseram Evo na presidência e a Bolívia no mapa

Bolívia: a coca e o narcotráfico
Ante cientos de cocaleros, en un encuentro que se realizó en la población de Shinahota, Morales señaló:
Señaló que las fuerzas extranjeras que buscan coca cero también van a fracasar —EEUU, por ejemplo, condiciona su ayuda económica de más de 90 millones de dólares, a las labores de erradicación e interdicción en el trópico de Cochabamba—. “El estudio demostrará cuánta coca se va a producir en el país. El cato por familia no se negocia”, puntualizó.
En el 2004, el ex presidente Carlos Mesa aceptó que en el Chapare se cultivaran 3.200 hectáreas de coca, mientras se realizaba un estudio para determinar si la demanda lícita de la hoja para fines alimenticios, medicinales y rituales ha superado las 12.000 hectáreas previstas en la legislación.
Pero, informes oficiales mencionan que en Bolivia ya hay sembradas más de 27.000 hectáreas de coca, 10.000 de las cuales están en el Chapare y 17.000 en los Yungas, región donde sólo debían sembrarse las 12.000 legales.
En este punto, Evo Morales aclaró: “queremos aportar racionalizando la producción, luchando contra en narcotraficante y no contra el cocalero”.
Además, exhortó a las bases a que el control para evitar la producción excedentaria, estaría regido básicamente por los mismos dirigentes cocaleros.
El Presidente exige control al cato de coca Una extensión de 40x40 metros por cada una de las 23 mil familias es todo lo que está permitido cultivar en el Chapare, hasta que se concluya el estudio del mercado legal. Pide que sus bases respeten los acuerdos.
Como ejemplo, mencionó que en Argentina el consumo es legal, pero la importación es ilegal, “por eso trabajaremos para conseguir que nuestra coca sea exportada de manera legal”.
Y esa tarea estará asignada, afirmó Morales, a un nuevo viceministro, el ex alcalde de Villa Tunari, Felipe Cáceres. Además, el Presidente decidió cambiar el nombre de esa repartición, que antes era denominaba de Defensa Social, y que ahora se llamará Viceministerio de Coca y Desarrollo Integral.
Indicó también que la misión del Ministerio de Gobierno, que antes era un ente represor, será iniciar la despenalización de la coca.
Pidió a los cocaleros que lo convoquen si en algún momento ven que se “está equivocando”. Hay un congreso de las 6 federaciones del 11 al 14 de febrero. “Voy a asistir allá , para dar mi informe”, señaló. Redacción Cochabamba, AP y ANF [link]
2006/01/09
Inês Fontinha

por Sofia Branco (PÚBLICO) e Paulo Magalhães (Rádio Renascença).
"Inês Fontinha, a convidada do programa Diga Lá Excelência, é directora de O Ninho, uma instituição particular de solidariedade social fundada em 1967. Esta madeirense de 62 anos, formada em Sociologia, nomeada para o Nobel da Paz, condecorada por Jorge Sampaio e homenageada pela Assembleia da República com o Prémio de Direitos Humanos trabalha há 30 anos na reinserção social das pessoas que se prostituem. "
PÚBLICO - Qual é o perfil da pessoa que se prostitui?
INÊS FONTINHA - Há um conjunto de factores que interagem entre si e não podemos isolar um, nem um tem mais peso do que o outro. Entre eles estão o trabalho infantil, a violação ou o abuso sexual na infância, o desamor.
O campo pró-legalização fala em histórias de vida "normais", de mulheres casadas, com filhos, muitas vezes com outras profissões, que optam pela prostituição. Esta opção parece-lhe totalmente descabida?
Parece-me uma análise incorrecta da realidade. Uma mulher que tem três ou quatro filhos, ganha o ordenado mínimo, tem uma renda de casa para pagar e o dinheiro acaba-lhe no dia 10 ou 15 pode prostituir-se para alimentar os filhos. Se falar com ela, vai perceber que ela não tem o plano de permanecer na prostituição, o projecto é sempre a saída.
O Ninho já lidou com sete mil mulheres. Não é uma gota de água, já que há quem aponte para a existência de 30 mil prostitutas?
Naturalmente. São números preocupantes... Dizem 30 mil e podem ser muitas mais. A prostituição em Portugal não está quantificada. O que interessa é tentarmos encontrar em conjunto soluções para esta situação. Quando vivemos numa sociedade que se diz moderna, pergunto por que é que o sexo pago ainda existe?
Por que existe?
Vivemos numa sociedade em que, apesar dos avanços no campo dos direitos das mulheres, muita gente ainda concorda com uma situação em que a mulher está completamente subalternizada ao homem, é um objecto, um instrumento de prazer do homem.
Há um estudo da Universidade do Minho que diz que os clientes são pessoas perfeitamente socializadas, "normais", sem comportamentos patológicos. Qualquer homem é um potencial cliente de prostituição?
O conhecimento que temos em relação aos clientes é indirecto, através das mulheres que acompanhamos. O que sabemos é que o cliente é proveniente de todas as classes sociais. Apenas o local onde procuram a mulher é diferenciado consoante o seu poder de compra, de um modo geral. Esse estudo também aponta para a legalização da prostituição, concedendo ao homem o poder legítimo de comprar o sexo a uma mulher.
Não é o poder legítimo de a mulher o poder vender?
Não. É o poder legítimo de o homem querer e poder comprar. Não conheço nenhuma mulher que goste de ou queira ser prostituta. Não conheço nenhuma família, por muito desorganizada que esteja, que tenha como projecto de vida para os seus filhos serem prostitutas ou prostitutos.
A Suécia penaliza desde há alguns anos os clientes. A solução poderia passar por aí em Portugal também?
Temos de reflectir muito sobre a nossa realidade. Estamos preparados para punir o cliente? A Suécia considera que a igualdade de género passa pela punição do cliente e esteve anos a preparar a opinião pública, tanto que hoje 80 e tal por cento da população são favoráveis a esta medida. É completamente diferente de Portugal, em que o cliente é rei e senhor. Não é ter uma lei apenas no papel, é para a fazer cumprir.
Não concorda com a legalização?
Não se legaliza algo que é contra os direitos humanos. O que não quero para mim, não quero para os outros.Acha que o vazio legal existente...Não há vazio legal. Temos um sistema abolicionista, que imperou na Europa durante muitos anos. Porquê este frenesim de alguns países europeus em legalizar a prostituição, dizendo que vão combater o tráfico? É falso, está provado! Legalizando a prostituição, fomenta-se o tráfico. A Holanda é um exemplo disso.
Mas o sistema actualmente existente em Portugal funciona?
Não funciona porque não existe vontade política de fazer prevenção nem de inserir as pessoas.
O que falta?
É necessário invertermos a política que temos neste momento. O ordenado mínimo não chega para uma mulher sobreviver sozinha com um filho, a habitação é um problema grave, as rendas vão aumentar... Há uma desigualdade profunda.
Encara sempre as prostitutas como vítimas?
Acho que lhes deveríamos dar um verdadeiro estatuto de vítima.
Mas isso não as menoriza, fazendo-as depender sempre de ajuda externa, negando-lhes a autodeterminação?
Não, de modo algum. Concordo que devemos dar poder às pessoas para decidirem da sua própria vida. No trabalho de rua que fazemos, elas desejam mudar a sua situação e dizem-nos muitas vezes que ficam mais um ano até resolverem os problemas e depois vão-se embora, mas passado um ano elas mantêm-se lá. Porque a desvalorização é profunda. Por isso, a ajuda externa é de extrema importância, para poder abrir portas e dizer: há esta possibilidade. O que falta são os apoios necessários para dar reais oportunidades às pessoas.
Centra-se na reinserção social. Como encara as declarações do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão, que afirmou, em entrevista ao PÚBLICO, que "a via da reinserção social é fictícia"?
Se disse isso, ignora o que é a reinserção social. Das sete mil mulheres que passaram pelo Ninho, 90 por cento estão integradas. Se 90 por cento estão integradas, não se aposta na reinserção? Não estou a perceber. É necessário é dar meios, isso sim. E O Ninho não tem, anda sempre à procura de meios.
Falamos sempre de mulheres no caso da prostituição. Há homens que vão ter com O Ninho?Alguns. A percentagem é pequena. Devido às carências, não temos resposta para essas pessoas.
A resposta é diferente para homens e mulheres, é isso?
A violência nos homens ainda é mais profunda.
Porquê?
Porque um cliente é sempre um homem... Eles contam coisas inimagináveis.
Nunca falam de clientes mulheres?
Não, não conhecemos essa realidade.
ão estão as pessoas que se prostituem mais protegidas se forem encaradas como trabalhadoras?
Vender o corpo é um trabalho? Fala-se muito em trabalho digno. Será que isto é um trabalho digno? A prostituição não é um trabalho. Ser penetrada 20 vezes ao dia é satisfatório para alguém? Estamos a falar em prostituição!
Trabalha no sentido de acabar com a prostituição um dia?
O Ninho é membro fundador de uma federação europeia para o desaparecimento da prostituição, criada porque a comunidade europeia está a ser pressionada pelo proxenetismo organizado no sentido da legalização.
Não é uma utopia querer acabar com a prostituição?
A nossa história é feita de utopias.
O Ninho vive do mesmo subsídio desde 1987
Como surgiu o problema da prostituição na sua vida?
Foi através de um amigo meu que dava apoio ao Ninho e me convidou a visitar a instituição. Era uma problemática que eu desconhecia, que estava muito longe de mim. Uma das coisas que mais me perturbou na altura foi ouvir as histórias de vida daquelas mulheres. Para mim foi uma tomada de consciência, a todos os níveis, mas fundamentalmente política.
Como lida com essas histórias complicadas no seu dia-a-dia?
Todos os dias vamos aprendendo coisas novas com as mulheres que estamos a acompanhar. Não podemos sofrer com elas mas compreender o sofrimento e minimizá-lo.
Lida da mesma maneira com cada uma das mulheres que lhe aparece?
Não. Cada situação é uma situação. E cada pessoa sente a sua situação de forma diferente. Na história de vida das mulheres que acompanhamos há factores comuns, de ordem psicológica e social. Não quero dizer com isto, de modo algum, que todas as pessoas que passaram por situações semelhantes irão prostituir-se amanhã ou daqui a um mês. Mas há uma subcultura de pobreza, em que as pessoas ficam vulneráveis, ficam fragilizadas e, portanto, são presas fáceis para o recrutamento.
Sente-se recompensada com os prémios que O Ninho vai tendo?
É sinal que o trabalho é reconhecido. Mas esses prémios não se traduziram em mais apoios. É um reconhecimento, e claro que isso é gratificante. Mas não passa de um reconhecimento.
De que vive O Ninho?
O Ninho tem atravessado dificuldades imensas. Vive de um subsídio mensal dado pela segurança social, que nunca foi actualizado desde 1987.
...
2005/12/04
"O frio é a minha morada"

Âgela Marques no DN, hoje. Mostra-nos a Lisboa que não vemos. Avenida Almirante Reis, Américo, 75 anos. Dorme sentado num caixote de papelão, com um cobertor a esconder a cara do frio. "Não quero nada... só quero abrir os olhos todos os dias de manhã."
Vivo "um dia, depois mais um dia, depois outro dia". Assim há 15 anos. "Antes disso, fui empregado no Banco Nacional Ultramarino."
A Guerra
Uma escola do PAIGC, na mata. ( 1970 ?)

Passados nove meses, aqui voltei, para continuar na guerra, é verdade, ainda confuso mas já sem ódio e desejoso de entender o que se passava.
2005/11/27
O 25 de Novembro de 1975 (2)
José Manuel Barroso é um especialista, investigador (quase historiador) que ano após ano, no DN, escalpelizou os meandros da revolução e conseguiu, a pulso, contra as meias verdades e os bem guardados segredos, da esquerda e da direita, expor à luz do dia os episódios e as motivações mais resguardadas da revolução e do 25 de Novembro em especial.
TEMA DE ABERTURA - DIÁRIO DE NOTÍCIAS, DOMINGO 26 DE NOVEMBRO 1995
memória do
25 DE NOVEMBRO
José Manuel Barroso
O Partido Comunista
a esquerda militar
e o 25 de Novembro
RAIMUNDO NARCISO deputado independente eleito nas listas do Partido Socialista no passado dia 1 de Outubro foi militante do Partido Comunista cerca de 30 anos, dirigente da ARA e do Comité Militar do PCP. Era ainda membro do seu Comité Central quando em 1991, abandona o partido, depois de um processo de divergências e de rotura que se acentua no XII Congresso em 1988. Com ele saem António Graça, Victor Neto, Pina Moura, José Barros Moura e José Luís Judas entre outros. Foi membro fundador da Plataforma de Esquerda. Esta é a primeira entrevista que concede sobre os tempos da revolução e o relacionamento entre o PC e os militares, aproximação a uma densa realidade, ela constitui, desde já, um documento indispensável para entender o período revolucionário e o 25 de Novembro de 1975.
A ENTREVISTA que se publica nas páginas seguintes passará a constituir seguramente um do mais importantes documentos até hoje publicados sobre o 25 de Novembro de 1975 e o processo revolucionário em curso nesse ano. Na entrevista que Raimundo Narciso concedeu ao DN não são feitas revelações de pormenor que nos permitam ir ao fundo do conhecimento sobre o papel do Partido Comunista Português nesse evento e sobre o seu relacionamento com a esquerda militar e o MFA. Mas, sem nunca ferir a lealdade e o respeito devidos a pessoas que fizeram um percurso comum, o entrevistado desfaz suficientemente a teia do pensamento e da acção do PCP, nos idos da Revolução, para permitir ao leitor atento tirar conclusões claras das suas respostas.
A entrevista de Raimundo Narciso tem a autoridade que lhe dá o facto de ele ter sido um importante dirigente do PCP, durante muitos anos, membro do seu Comité Central e do Comité Militar do partido — o que lhe deu a possibilidade de, como ele próprio diz, ter acompanhado e participado «em todos o acontecimentos decisivos da Revolução», incluindo o 25 de Novembro. A entrevista tem, também, a ousadia e a inteligência de facultar um conjunto de informações muito importantes sobre esses acontecimentos, por considerar que «vinte anos depois é tempo para disponibilizar todos os elementos aos historiadores», com excepção de alguns «segredos» que não são só seus.
Excepção feita a esses «segredos», Raimundo Narciso faculta-nos, assim, elementos suficientes para compreender quanto a actuação do PCP, junto dos militares, foi a consequência de um plano estratégico, pacientemente aplicado ao longo dos anos, incluindo os quase dois da Revolução. Fica claro, também, quanto o PCP utilizou os seus homens, no interior das casernas, para estar presente no 25 de Abril, para influenciar, por dentro, o MFA e o rumo dos acontecimentos — até aproximar a «revolução democrática e nacional» de Abril de 1974 da «revolução socialista», que na sequência do 11 de Março se toma possível. E a aplicação, sem temores, do programa do partido, fase por fase, exclusivamente dependente da «relação de forças» — até ao 25 de Novembro.
A «porta para o socialismo» (tal como o PCP o entendia, a partir da matriz soviética) que o 11 de Março abre — com as nacionalizações a reforma agrária e a recomposição favorável à esquerda revolucionária dos órgãos do poder político–militar - havia sido quase fechada pela resistência civil, com o PS de Mário Soares à cabeça, e pela resistência militar, liderada pelo Grupo dos Nove.
Tendo perdido, nesse «Verão quente», largo apoio social e poder nas instituições político-militares, o PCP e seus aliados querem recuperar posições institucionais e forçar um entendimento, no seio do MFA, para «derrotar a direita», sob pena de ser por ela mais tarde derrotado. Sem desistir do seu projecto nacional. O 25 de Novembro terá sido isso. Matéria que, naturalmente, fica para o final desta série de trabalhos.
O 25 de Novembro de 1975

Entrevista conduzida por José Manuel Barroso, publicada no DN de 26 de Novembro de 1995,
«Uma derrota relativa»
DN— Em termos políticos, o saldo do 25 de Novembro foi uma vitória ou uma derrota do PC e da esquerda militar?
RN – O 25 de Novembro foi uma derrota para o PCP e para a esquerda militar. Em todo o caso, foi apenas uma derrota relativa — devido ao papel moderador de Costa Gomes, Melo Antunes, Vasco Lourenço e, nalguma medida, de Ramalho Eanes, também.
Foi uma derrota porque o 25 de Novembro impediu o prosseguimento da revolução no sentido do projecto de sociedade do PCP e que, à parte as particularidades nacionais, era na essência, igual ao da sociedade comunista de Leste. Derrota por que afastou o PCP do Governo e de um modo geral dos órgãos do poder de Estado, porque impediu a estabilização de conquistas da revolução já adquiridas, tais como a Reforma Agrária, as nacionalizações, etc.
Para o PCP, o 25 de Novembro também pode ser considerado uma vitória no sentido em que uma pessoa que parte uma perna tem imensa sorte por não ter partido as duas.
Assim, o 25 de Novembro representa uma vitória parcial porque o PCP não foi ilegalizado e pôde viver em democracia, numa democracia que, como se sabe, o comunismo nunca facultou aos seus adversários.
DN — No Verão de 75, tendo a esquerda revolucionária sofrido grandes derrotas, porque avança o PCP para a agudização das lutas sociais e militares?
RN — O PCP tentou com a agudização de todo o tipo de lutas, fomentando umas, dando cobertura ou não se demarcando de outras, compensar o seu crescente isolamento político, social e militar e conduzir a revolução por aí fora. Caso República, cerco da Assembleia da República, manifestação dos SUV (Soldados Unidos Venceremos!).
É necessário, para compreender a situação, não esquecer a rede bombista e a vaga de assaltos às sedes do PCP, do MDP de sindicatos e outras organizações de esquerda, no Verão quente, desencadeada pela extrema-direita. A 13 de Julho é assaltada e destruída a sede do PCP e da FSP em Rio Maior, a 16 assaltada a sede da Batalha, a 17 a do Cadaval, a 18 a da Lourinhã e assim até ao 25 de Novembro e depois.
DN — Tendo a revolução entrado em derrapagem e o PCP em perda de posições não deveria antes moderar a sua acção e aproximar-se do PS e do sector moderado do MFA?
RN — Uma particularidade do comunismo português na revolução do 25 de Abril, foi o PCP, muito cedo, pensar que podia dispensar o PS, na sua política de alianças. Para tanto utilizou a fórmula Aliança Povo-MFA em que o povo estaria suficientemente representado pelo PCP e o MDP ou, no Verão quente, em estado de desespero, também pelas outras organizações da FUR. Pareceu ao PCP que a aliança com a base social representada pelo PS poderia ser assegurada através do sector moderado do MFA complementada pela Intersindical.
O PCP reconhece, no plano teórico, no Verão de 75, a urgente necessidade de lutar pela unidade do MFA e de evitar a radicalização da luta que isole o PCP. É esse o resultado do debate havido na reunião do Comité Central em Alhandra, a 10 de Agosto, um dia depois da publicação do Documento dos Nove. Também o discurso de Vasco Gonçalves, em Almada, a l8 de Agosto, é apreciado de modo negativo. O PCP esperava desta intervenção uma tentativa de aproximação aos "Nove" e o que saiu foi radicalização.
Curiosamente a par desta análise teórica a intervenção prática do PCP não vai no sentido de travar a radicalização das lutas, umas por si organizadas, outras pelos sectores da esquerda mais radical, outras espontâneas.
RN — Que eu conheça não. Havia — e provavelmente continua a haver — dirigentes mais radicais e outros mais moderados. Isso acontece em todas as formações partidárias, mesmo que não seja reconhecido. Mas a liderança incontestável de Álvaro Cunhal não dava abertura para um debate que pudesse pôr em causa a sua orientação – e em risco a tão desejada «unidade de pensamento».
DN — Que representa a FUR no contexto do Verão quente de 1975?
RN — A necessidade de ocultar o crescente isolamento político do PCP resultante da crescente radicalização da sua acção política.
DN — O comportamento do PCP teve por objectivo um regime de matriz soviética ou democrática do tipo ocidental?
RN — Logo a seguir ao 25 de Abril e até ao auto-afastamento de Spínola, a preocupação fundamental do PCP era a consolidação do regime democrático do tipo ocidental. Depois do 11 de Março o PCP orientou a sua luta para as conhecidas «grandes conquistas da revolução».
No entanto, em momento nenhum, o PCP esquecia que o objectivo último da luta era o socialismo. Isso mesmo fazia questão de constantemente lembrar, internamente, aos militantes. Havia a fase da revolução democrática e nacional e a fase da revolução socialista. Mas a passagem de uma a outra fase não era tanto um questão de meses ou anos mas de relação de forças.
DN — Até que ponto PCP acompanha as movimentações da área militar?
RN — Não só acompanha como intervém, no sentido de influenciar os acontecimentos militares. Os próprios acontecimentos militares do 25 de Novembro não aparecem como um acto isolado, mas de sucessivas acções da esquerda militar, dos “Nove” e da direita — no sentido de cada um ganhar posições, para o seu lado. E havia o claro entendimento de um provável choque militar.
DN – Pode dizer-se haver uma clara aliança entre a esquerda militar e o PCP?
RN – Pode dizer-se, com clareza, que a esquerda militar foi-se constituindo como a expressão da influência militar do PCP no MFA.
DN — Havia, portanto um relacionamento constante, entre a direcção do PCP e a da esquerda militar?
RN – A esquerda militar era o sector do MFA que estava mais próximo do projecto político do PCP e o que melhor podia defender as suas posições no plano político-militar.
DN – Otelo foi uma cartada mal jogada, no 25 de Novembro?
RN—Foi uma cartada que não foi possível controlar, apesar de haver esperanças e esforços no sentido de o aliar à esquerda militar. Como se sabe, houve um período em que dirigentes do PCP se deslocaram com alguma regularidade ao Copcon para troca de opiniões políticas — e que não tinham outro objectivo que não fosse poder aproximar Otelo da posição do PCP, com vista a uma unidade entre o sector do Copcon e a esquerda militar.
DN — Quando foi compreendido por parte do PCP, que essa unidade não era possível?
RN — O 25 de Novembro comprovou, definitivamente, que o PCP não podia contar com Otelo Saraiva de Carvalho.
DN – O PCP tinha uma significativa influência, entre os graduados do corpo de pára-quedistas de Tancos?
RN – Tinha, sobretudo, uma grande influência entre os sargentos «páras». Foram públicas várias sessões de esclarecimento para sargentos da Força Aérea — que incluía, em especial, sargentos pára-quedistas – num cinema da região.
DN — Seria normal que militantes do PCP, sobretudo sendo militares, tomassem decisões de grande importância, no campo da acção, sem aviso ou consulta ao partido?
RN — Não era normal — mas, por vezes, sucedia.
DN—E no caso da saída dos «páras» de Tancos?
RN — O partido teve informação da movimentação dos «páras», ante destes terem saído.
DN — O «trabalho militar» do PCP constituía uma área de actuação privilegiada?
RN — A actividade e a atenção do PCP às Forças Armadas é uma orientação muito antiga. Seria de uma grande irresponsabilidade e negaria a natureza revolucionária do PCP se, numa revolução como a do 25 de Abril, não prestasse a maior das atenções aos militares.
DN— Quando, logo a seguir ao 25 de Abril, António Spínola não consegue um apoio claro dos militares do MFA, no final do plenário da Manutenção Militar (que precedeu a crise Palma Carlos) que análise fez o PCP?
RN — Considerou ser urgente a coordenadora do MFA se auto-institucionalizar e traduzir assim no plano institucional, o seu papel de verdadeiro autor do 25 de Abril.
Sabia-se que o «imparável» movimento popular antifascista, liderado pelo PCP não deixaria de influir muito o MFA, ou parte dele, no sentido da revolução.
O PCP e as eleições
RN — A realização de eleições livres era um dos principais pontos do programa do PCP na clandestinidade — estávamos no fascismo, não no comunismo! Após o 25 de Abril, as eleições para a Constituinte era um objectivo a conquistar tanto mais importante quanto Spínola preferia um referendo que lhe conferisse poderes mais ou menos ditatoriais. Num encontro, em que participei, de uma delegação do PCP com elementos do MFA, suponho que em 1974, foi informalmente colocada a questão. Vasco Gonçalves que estava presente, respondeu que a data era um compromisso inalienável do MFA. Mais tarde, e em especial após o 11 de Março, surgiram dúvidas sobre a bondade de tal acto, a tão curto prazo. Mas foi assunto discutido à puridade.
No PCP, os resultados eleitorais das primeiras eleições livres, em 25 de Abril de 1975, eram aguardados ora com receio, porque comunismo e eleições eram coisas que nunca ligaram bem, ora com esperança. Neste caso, assente nos comícios sempre maiores do que os de qualquer outro partido, nas sondagens obtidas pelos camaradas em conversas de autocarro — ou, até, porque a gratidão do povo, de cuja representação julgávamos ter monopólio, não nos faltaria nesse momento.
As primeiras eleições, ao darem 12,5 por cento dos votos ao PCP e quase 38 por cento ao PS, revelaram um quadro de opções dos Portugueses completamente diferente do que era dado pelas mobilizações populares e foram um factor decisivo para a derrota a prazo do projecto do PCP.
2005/11/08
A gripe das aves

Era para combinar um almoço mas a conversa resvalou para o pavor. Se acho que devemos tomar medidas desde já? mas que medidas? Pois... mas... o caso é que assim alguém da família vai morrer... de acordo com as estatísticas. Tentativas bem dirigidas para desviar. Então sempre é verdade que o Martinho já está mesmo separado da Sofia? E a Célia, a Célia! disse-me a Joana que vai mesmo abortar a Badajoz. Consegui. Consegui livrar-me da Teresa, do pânico, das aves, da gripe e sem dar fôlego, fingi que tinha acabado e pim na tecla vermelha.
Meia hora depois. Metropolitano. Linha azul. Sete e meia da tarde. Cada um consigo mesmo e aquelas duas, descuidadas ou sem cerimónia, a fazerem-se ouvir. Oh, oh, oh, então vou lá agora ligar a isso! Ora, ora, essa é boa! se se quisessem preocupar com epidemias preocupavam-se com a droga e com o álcool. Vê lá se falam em vacinas para isso! Mas... mas... Qual mas, oh oh, quais aves! quais gripe! vou lá agora acreditar nisso. Fizeram mas foi alguma vacina que não se vende e agora querem que a gente vá a correr comprá-la. Ná, ná, eu cá não, eu não... Se isto é assim com as aves... com as aves... com as aves... que admiração uns serem pelo Soares e outros pelo Manel.
2005/11/01
O terramoto de Lisboa (3)
Neste recinto ficaram reduzidos a cinzas os sumptuosos conventos da Santíssima Trindade, de Nossa Senhora do Monte do Carmo, de São Francisco, de Nossa Senhora do Rosário dos Irlandeses, do Espírito Santo, de Nossa Senhora da Boa-Hora, de Corpus Christi, de São Domingos e de Santo Elói, com as suas majestosas e bem ornadas igrejas...
...se queimou a sumptuosa Igreja de Santo António edificada na antiga casa, em que o mesmo santo nasceu, com a magnífica e bela casa que antes da divisão da cidade servia para as conferências do Senado da Câmara; e na mesma igreja muita e bem lavrada prata, e ricos ornamentos, de que se achava enriquecida. ... havendo o fogo na igreja sido tão violento que derreteu toda a prata, bronze e outros metais, que nela achou". [o relato prossegue com o registo de muitas dezenas de igrejas destruidas]E os palácios
Padeceram a mesma desgraça os edifícios de Alfândega Real, Casa da India, Vedoria, Consulado, Contos do Reino, Sete Casas, Terreiro do Pão, Ribeira das Naus e armazém dela, Casa do Tesouro, ao Arco da Consolação...
e os tribunais do Desembargo do Paço, Junta dos Três Estados, Conselho da Fazenda, Conselho Ultramarino, Mesa da Consciência, Casa de Bragança, Contadoria-Geral de Guerra, Tenência, armazéns com as suas grandes secretarias, e as de Estado do Reino, Guerra e da Marinha, cujos tribunais estavam no recinto do Paço, nos quais se perderam cartórios numerosíssimos livros e papéis, com grande detrimento da fazenda real e da dos particulares... "
E as preciosidades
ENTRE as muitas preciosidades que o fogo consumiu, foi muito sensível aos eruditos a perda de muitas e numerosas livrarias. Tem o primeiro lugar a biblioteca real que era numerosíssima e selecta: o senhor rei D. João V a tinha aumentado com grande número de livros modernos, e todos os antigos que se descobriram pela Europa; e uma grande cópia de manuscritos, assim originais como cópias bem escritas, tudo efeitos da sua sabedoria e magnificência.
A do marquês de Louriçal enchia e ornava quatro grandes casas, e era selecta em livros raros e excelentes manuscritos. Tinha sido formada pelos sábios condes da Ericeira, e ultimamente aumentada pelo conde D. Francisco Xavier de Meneses, cuja erudição ainda hoje admira, não só Portugal, mas toda a Europa.
A biblioteca do Convento de São Domingos estava em duas grandes casas e tinha muitos livros raros e grande número de manuscritos, que para ela deixou o erudito beneficiado Francisco Leitão Ferreira. Foi obra do padre frei Manuel Guilherme, que a constituiu pública com assistência de dois bibliotecários e renda grande para o seu aumento.
Na Casa do Espírito Santo havia uma grande e selecta livraria, e outra chamada Mariana, em que se admirava a maior colecção de livros que tratavam de Maria Santíssima obra do padre Domingos Pereira.
Ficaram também reduzidas a cinzas as excelentes e antigas livrarias dos conventos do Carmo, São Francisco, Trindade e Boa-Hora. Tiveram o mesmo sucesso todas as dos palácios que arderam, em que havia algumas muito estimáveis.
As particulares foram muitas, e entre estas era muito preciosa a do inquisidor José Silvério Lobo por numerosa e selecta. Em cinco casas de mercadores de livros franceses, espanhóis e italianos, e vinte e cinco lojas e casas de livreiros portugueses, se consumiram grandes livrarias...
[Extractos de "Memórias das Principais Providências"... de Amador Patrício de Lisboa, 1758]