2016/05/07

Ana Sofia Martins - estrela da TV

A Sábado trazia uma capa bonita. A cara, a capa, fez-me lembrar esta outra cara, a de Ângela Davis. Como não vejo telenovelas há muitos anos não sabia quem era a anunciada Ana Sofia Martins. Ia só dar uma olhadela à entrevista que deu à Sábado, conduzida por Dulce Garcia, e li-a toda, de seguida.

Seis páginas que revelam uma mulher de talento e fino humor que revelam uma cidadã culta, daquelas que não quer apenas tratar da sua vida mas ajudar a mudar, para melhor, a vida dos outros.
A estrela da TV tem um percurso de vida fascinante e a entrevista revela como conseguiu vencer inauditos obstáculos.
Lá terei de ir ver A Última Mulher à TVI.

2016/04/23

MEU TESOURO LIBERDADE

“Meu Tesouro Liberdade” é o nome de uma peça de teatro que teve como objectivo comemorar o 25 de Abril. A peça resultou de um desafio feito pelo Movimento Cívico Não Apaguem a Memória  - NAM a Suzana Arrais encenadora do Teatro Ibisto que tem como actores moradores dos bairros da Quinta do Mocho e da Quinta da Torre, nos concelho de Loures, na maior parte originários das ex-colónias portuguesas.
Propusemos que criassem e representassem uma peça que resultasse de uma reflexão sobre o que foi para eles o 25 de Abril. Dessa reflexão resultou a peça "MEU TESOURO LIBERDADE" que teve estreia hoje dia 23 de Abril de 2016, pelas 21h e 30m, no Teatro Meridional, ao Poço do Bispo, em Lisboa,
Trata-se de uma peça que fala da importância da Liberdade e da sua procura, que além de incessante e constante deve ser partilhada, pois é um tesouro valioso que não se alcança com facilidade e que, depois de atingido, não tem garantia de duração.
Após a representação houve um debate muito vivo e interessante entre os actores, a encenadora Suzana Arrais, os associados do NAM e o público em geral, em que eles explicaram o porquê do texto e da encenação. 
A encenadora é Susana Arrais (na foto) uma conhecida atriz de muitas telenovelas, encenadora e uma activista cívica com destaque para o seu trabalho no Teatro Ibisco,
numa importante acção de inserção social e cultural, nos Bairros Quinta do Mocho e Quinta da Fonte, no concelho de Loures, onde predomina população originária das ex-colónias portuguesas. 
Os actores são recrutados nestes bairros para cada peça.
A história é muito bonita e cheia de lições. Colhi-a aqui no blog "A viagem dos Argonautas", um post de Clara Castilho:
                          SINOPSE
« Lili é da Outra Aldeia, que está em guerra.
A avó de Lili é da Nossa Aldeia e por isso Lili veio aqui parar. É o mais próximo de pátria que tem. Nunca tinha estado na Nossa Aldeia mas conhece bem a sua história, língua e cultura, porque as duas aldeias são (supostamente) irmãs.
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Lili chega, fugida da guerra, à NossaAldeia onde se vive em liberdade… ou não. Mas Lili é olhada de lado por se vestir de forma diferente e andar sempre aos pulos.

Ao chegar à NossaAldeia, Lili depara-se com um povo de Marionetas que vivem alegremente nas suas rotinas, regras e preconceitos. Os Marionetas querem integrá-la mas para isso Lili tem de ser igual a eles e imitá-los. Ela tenta mas os seus movimentos são sempre mais livres e por isso é censurada. Lili desiste e é marginalizada.
Lili acaba por encontrar um grupo de descontentes que se afastaram da maioria e que dizem “não quero isto para a minha vida”, quando interpelados pelos Marionetas.
Lili tem um plano e conta a história que a sua Avó Mindinha lhe contava. A história do Tesouro que havia na NossaAldeia e que tinha sido enterrado na Montanha do Homem.
O grupo decide ir em busca do tesouro.

O caminho é duro e cheio de pedras e obstáculos que os Marionetas lá colocaram. Já para não falar do Velho do Restelo que tenta convencê-los a desistir.
O grupo de amigos de Lili segue caminho, por vezes caindo nas tentações humanas como o egoísmo e a ganância. Mas conseguem chegar e juntos!
Os amigos percebem que têm pela frente a tarefa árdua de escavar bem fundo no coração da Montanha do Homem e, retirando as pedras-más, conseguir guardar as boas.
Juntos descobrem finalmente o Tesouro, o Tesouro Liberdade!
Estão felizes e cheios de esperança e decidem voltar à NossaAldeia, levando as Pedras boas e a Liberdade, com o sonho de construir uma GrandeAldeia melhor.

Quando chegam à NossaAldeia, Lili é presa por contar histórias e incitar o povo a pensar.
O grupo de amigos de Lili, faz uma vigília/manifestação, conquistando outros amigos, mas acabam por ser atacados pelos Marionetas e os dois grupos “lutam”. Os amigos de Lili ganham mais amigos (quase todos os habitantes) e conseguem libertá-la.
O Povo-Livre da NossaAldeia reúne, partilha o Tesouro e sonha com o futuro.
- Não vai ser fácil… Mas se fosse fácil, não era para nós!

O Velho do Restelo continua no seu lugar, desconfiado e recusando juntar-se ao grupo.
Alguém comenta:
- E ele?
- Ele?… Um dia ele junta-se a nós!


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA
Criação colectiva do grupo, com base em improvisações sobre o tema.
Coordenação artística - Susana Arrais
Produção - Catarina Aidos
Interpretação - O grupo de actores varia, conforme a próprio natureza do projecto e da Associação TIBISCO.

2016/02/28

O Homem que Calculava

É um livrinho já muito decrépito de uma edição brasileira de 1949, que guardo religiosamente para deixar em herança aos netos.
Conta histórias surpreendentes muito apreciadas para quem gosta de números.
São histórias ao alcance de catedráticos com pelo menos a antiga 4ª classe da instrução primária, portanto não se assustem, os que são de Letras! Comecei a fazer um scaner do livro quando me lembrei que já não estamos em 1949 e portanto - quem sabe! isto não estará aí na net. E está. Deixo-vos o link no fim.
A história é contada pelo xerife Ali Iezid Izz-Edim ibn Salim Hank Malba Tahan (crente de Allah e de seu santo profeta Maomé) em 19 da Lua do Ramadão de 1321.

Conta ele:
“Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso! Voltava eu, certa vez, ao passo lento do meu camelo, pela estrada de Bagdad, de uma excursão à famosa cidade de Samarra, nas margens do Tigre, quando avistei, sentado numa pedra, um viajante, modestamente vestido, que parecia repousar das fadigas de alguma viajem. Dispunha-me a dirigir ao desconhecido o “sala” trivial dos caminhantes quando, com grande surpresa, o vi levantar-se e pronunciar vagarosamente: - Um milhão, quatrocentos e vinte e três mil, setecentos e quarenta e cinco! Sentou-se em seguida e quedou em silêncio, a cabeça apoiada nas mãos, como se estivesse absorto em profunda meditação.
...
Encurtando razões: Malba Tahan estava perante “o Homem que Calculava” um sábio dos números.

- Chamo-me Beremiz Samir e nasci na pequenina aldeia de Khói, na Pérsia, à sombra da pirâmide imensa formada pelo Ararat. - Apresentou-se o sábio.

Era um sábio, não era um banqueiro e por isso era pobre e ia a pé para Bagdad. Ficaram amigos e Malba Tahan acomodou-o no seu camelo e seguiram viagem.

- Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção – conta-nos Malba Tahan - quando nos ocorreu uma aventura digna de registo, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista. Encontramos perto de um antigo "caravançará" meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:

- Não pode ser! - Isto é um roubo! - Não aceito!
         O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança estes 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta por um segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas?

- É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!
                     Neste ponto – diz Malba Tahan –   procurei intervir na questão:
- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viajem se ficássemos sem o camelo?
- Não te preocupes com o resultado, ó Bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou a fazer. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.
Tal foi o tom de segurança com que ele  me falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal [camelo] que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos - fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem em número de 36. E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
- Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão. E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: -  E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação. E disse por fim ao mais moço: E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, o teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado! E concluiu com a maior segurança e serenidade:

Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que todos três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos.
- Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois – disse Beremiz. Um pertence como sabem ao bagdáli, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!
- Sois inteligente, ó estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos. – Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!

E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos jamales do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia: - Poderás agora, meu amigo, continuar a viajem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!
E continuaram a nossa jornada para Bagdad.
Fica para si amigo leitor a tarefa de explicar o manifesto milagre, que não podemos deixar de atribuir ao amigo Jeremi ou talvez a Allah ou ao seu santo profeta Maomé.
_________________
Tota a história e todo o romance aqui; http://www.coordenacaopedagogica.com.br/file.php/1/PAS_2009/Livro_-_Malba_Tahan_-_O_homem_que_calculava_ilustrado_.pdf 

2016/02/25

Leonor Teles

É A LEONOR TELES. Uma foi, há 600 e tal anos, rainha e mal-amada, a outra é princesa e bem-amada. 
Ela foi tão genuína na sua surpresa que a todos encantou com aquela sua apreciação "UM FILME TÃO PARVO ! ". Creio que esta sua reacção de despretensiosa modéstia polvilhada de alegria e surpresa foi, sem o premeditar, um verdadeiro golpe promocional. 
“Nunca pensei,  - diz LT - achei que era impossível. Somos pequeninos, fizemos um filme com pouco dinheiro, sempre acreditaram em mim e estar aqui e ter ganhado o Urso de Ouro é uma coisa inacreditável" 
O País está a mudar e os preconceitos a diminuir. Ainda temos ciganos nómadas e com alguns maus hábitos ancestrais, como o da submissão das mulheres e as raparigas como moeda de troca em casamentos sem amor mas temos ciganos tão bons ou melhores que muitos ou a maioria dos não ciganos. Um é Secretário de Estado e esta princesa é uma artista e lutadora por direitos cívicos. 
Vamos partir os sapos todos ? (Só os de barro à porta dos estabelecimentos comerciais.)
(Também foi para o Facebook.)

2016/02/20

Dvorjak - A sinfonia NOVO MUNDO

Três em um - A sinfonia Novo Mundo de Antonin Dvorjak, a orquestra Filarmónica de Viena e... Karajan.
A nona sinfonia foi escrita em 1892 e Dvorjak estava enlevado com o Novo Mundo, os Estados Unidos da América, para onde tinha ido pouco antes dirigir o Conservatório Nacional de Música de Nova York, mas... tinha sempre presente a sua Boémia (nasceu numa vilória a uns 20 ou 30 kms ao norte de Praga), então parte do império austro-húngaro e depois Checoslováquia e hoje República Checa. O pai, que também tinha jeito para a música, destinara-lhe a continuação do seu ofício: talhante. Mas o jovem Antonin tinha aquele chamamento para a música... e ficámos a ganhar com a opção.

2016/02/14

David Alfaro Siqueiros Muralista e Revolucionário

Nació en Chihuahua en 1896 y desde muy niño ya estuvo preocupado por los conflictos sociales de su país y del mundo en general por lo que en 1914 en compañía de otros compañeros ingresó en las filas del ejercito revolucionario de Emiliano Zapata para luchar contra el régimen de Victoriano Hueste al que consideraban un usurpador Mientras estuvo en la Escuela de Bellas de la Ciudad de México ya participó en la huelga que organizaron los estudiantes y ya desde allí inició su trayectoria y su compromiso político...

... y llegó a fundar un taller experimental en Nueva York pero lo dejó todo para trasladarse a España para combatir como comandante en defensa de las tropas republicanas donde permaneció tres años hasta que las tropas franquistas ganaron la contienda y se estableció la Dictadura de Francisco Franco en 1936.
De regreso a México pinto sus más grandes murales pues algunos tiene más de cien metros y en 1966 le concedieron el Premio Nacional de Arte que es el máximo galardón que se concede en el país azteca. Davis Alfaro Siqueiros falleció en 1974 en Cuernavaca en compañía de Angélica Arenal, la mujer que fue su compañera desde la Guerra Civil Española.

2015/12/29

"A 5ª Avenida do sec.XVI ficava em Lisboa"

Recebi por email, depois perguntei ao Google se estava online e ele informou-me: está AQUI. E estava. É um interessante artigo de Nicolau Ferreira, no Público e que nos diz que a Rua Nova dos Mercadores, na Lisboa do século XVI, era a 5ª Av. da Nova York dos nossos dias.  
E ao falar em NY lembrei-me do Sr "Jaquim", da Rua da Frente, que na aldeia da minha infância se via durante o dia passar mais que um automóvel logo exclamava "isto está uma NOVAIORCA". Ele fora emigrante nos EUA e sabia o que era movimento!
(Um clique na imagem amplia-a e no link leva-nos à Lisboa dos Descobrimentos.


2015/12/04

OLISIPO



Durante a construção de um parque de estacionamento na Praça D. Luís I na zona ribeirinha lisboeta, foi feita uma importante descoberta arqueológica que permitiu saber que este local era uma baía onde os navios romanos ancoravam para o trânsito de cargas, mercadorias e passageiros, desvendando assim um fundeadouro datado de entre o século I a.C e o século V d.C.
Esta descoberta permitiu também perceber a importância deste porto no Império romano e em toda a região atlântica, já que  chegavam navios de todas as partes do Mediterrâneo. E com estes dados foi realizado o documentário “Fundeadouro Romano em Olisipo”, criando imagens em 3D que retratam aquilo que seria a cidade de Lisboa na época romana.
Aqui fica um excerto do documentário “Fundeadouro Romano em Olisipo” com imagens do possível aspeto da Lisboa romana:

2015/10/07

Homenagem aos presos políticos da ditadura nas instalações do antigo Tribunal Plenário da Boa Hora


Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, quase junto ao Chiado. Ali, no tempo da longa noite fascista, entre 1945 e 1974, funcionou o Tribunal Plenário, onde eram condenados os presos políticos. No Plenário os "juízes" do regime aplicavam aos presos políticos as penas que os agentes da PIDE/DGS previamente decidiam.

Em 6 de Dezembro de 2006 o MOVIMENTO NÃO APAGUEM A MEMÓRIA - NAM, organizou uma homenagem aos presos políticos, com uma sessão solene na Boa Hora e o descerramento de uma lápide que ficou colocada na antecâmara da sala da atual 6ª Vara Criminal.

Edmundo Pedro, ex-preso político, durante mais de 10 anos, no Campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, para onde foi aos 17 anos, juntamente com muitos outros presos, incluindo o seu pai, Gabriel Pedro e o muito conhecido arquitecto de Lisboa e ex-preso político, Nuno Teotónio Pereira, entretanto ambos eleitos membros honorários do NAM , descerraram a placa que assinala a memória daquele lugar. 

Estiveram presentes o presidente do Tribunal Constitucional, o vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os deputados à Assembleia da República, coronel ("capitão de Abril") Marques Júnior e o historiador Fernando Rosas, o ministro da Justiça, Alberto Costa, também ele um ex-preso político, a directora-geral da Adminis-tração da Justiça, antigos presos políticos, advogados de defesa dos presos políticos, outros resistentes contra o Estado Novo e activistas do Movimento Não Apaguem a Memória. O Presidente da AR Jaime Gama enviou uma mensagem, Mário Soares não podendo estar presente também enviou uma mensagem na qualidade de advogado de ex-presos políticos. Presente o coronel Vasco Lourenço, também ele "capitão de Abril",  presidente da direcção da Associação 25 de Abril e quase toda a sua direcção. 
O texto da lápide teve de ser negociado com o tribunal da Boa-Hora através do juiz Carlos Berguette. A Justiça da democracia branqueava assim a Justiça da ditadura. João Paulo Guerra no blog Câmara Corporativa, aqui:   http://tinyurl.com/pjtbavy
dá sobre este assunto uma boa informação.

Texto do NAM: "Nesta sala do então Tribunal Plenário, entre 1945 e 1974, foram julgados inúmeros adversários políticos da ditadura, acusados de "crimes" contra a segurança do Estado. "O tribunal não actuava com independência, aceitava e cobria as torturas e ilegalidades cometidas pela PIDE/DGS, limitava-se, salvo exceção, a repetir a sentença que a polícia política já tinha definido. Muitos juízes ignoraram e impediram os presos políticos de denunciarem as agressões e métodos da PIDE/DGS. A justiça e os direitos humanos não foram dignificados nem respeitados no Tribunal Plenário."

"Após negociação com o tribunal da Boa-Hora o texto acabou por ficar assim:

"Aqui funcionou o "Tribunal Plenário", onde, entre 1945 e 1974 - período da ditadura -, foram condenados inúmeros adversários do regime, acusados de crimes contra a segurança do Estado. A justiça e os direitos humanos não foram dignificados. Após o 25 de Abril de 1974 a memória perdura e a justiça ganhou sentido. À dignidade dos homens e mulheres aqui julgados por se terem oposto ao regime da ditadura." 

Na cerimónia, apresentada pelo membro do NAM, almirante Martins Guerreiro, discursaram o Prof. António Borges Coelho, na qualidade de ex-preso político, o juiz Manuel Macaísta Malheiros, na qualidade de ex-advogado de defesa de presos políticos, a diretora-geral da Administração da Justiça e a representante do Movimento Não Apaguem a Memória!, Cláudia Castelo.

Eis os discursos de Borges Coelho, Macaísta Malheiros e Cláudia Castelo. São testemunhos impressionantes.

ANTÓNIO BORGES COELHO:


Em nome das vítimas dos Tribunais Plenários, dos mortos e dos vivos, saúdo os juízes do Tribunal da Boa Hora que quiseram activar a memória dos tempos sombrios. 
As vítimas que represento foram neste local gravemente ofendidas na sua dignidade e no seu próprio corpo. Avivar, hoje e aqui, a memória constitui, pois, um acto necessário e exemplar de cidadania. Os presos políticos, mulheres e homens, que durante dezenas de anos pisaram a barra deste tribunal, não eram gente vencida. Tinham experimentado os perigos da luta contra a ditadura e o rigor da vida clandestina. Tinham suportado a prisão, os espancamentos, a tortura da estátua, os meses de isolamento nos buracos do Aljube ou em Caxias. Muitas vezes chegavam aqui ainda com as marcas da tortura. 
Esta sala, que foi do Tribunal Plenário, era previamente ocupada por agentes da polícia. Um deles escrevia o relatório pormenorizado da audiência e não se coibia de comentar a actuação dos próprios juízes. Mas a polícia não podia impedir a presença de assistentes incómodos. Desde logo, a dos advogados que gratuitamente e com elevado risco assumiam a defesa dos réus. Depois, a das testemunhas que louvavam a conduta ética dos acusados e por vezes defendiam a justeza das ideias que eles professavam. Algumas testemunhas saíam diretamente da sala de audiências para o calabouço. E havia ainda os olhos e os ouvidos dos que conseguiam vencer a barreira. 

Os "julgamentos" começavam com a entrada do promotor e dos juízes do Tribunal Plenário. Entravam sem venda nos olhos e sem balança. Sabiam ao que vinham: julgar mulheres e homens cujos processos tinham sido instruídos, não por juízes, mas por agentes e inspectores da polícia política. E de que crimes eram essas mulheres e homens acusados? Do crime de exprimirem por palavras e escritos a liberdade de pensamento, do crime de exercerem a liberdade de reunião e de associação. 

Os Tribunais Plenários integravam-se no sistema de terror, legitimando-o. No decorrer da audiência os acusados acusavam. A televisão não estava lá para abrir uma janela para o mundo; a imprensa silenciava; o país seguia cabisbaixo. Mas as vozes daqueles que aqui se ergueram acusando ecoaram fundo no coração de muitos portugueses. Não vou referir nomes. Alguns têm o seu lugar na nossa história. Hoje lembro somente aqueles que acusaram e de que ninguém fala. Por vezes agredidos e empurrados para o calabouço. Estas paredes assistiram a muita agonia, a opressão, a desprendimento total das coisas terrenas, a gestos comoventes de sacrifício e dedicação aos outros. Mulheres e homens que nada tinham senão os corpos e a mente indicavam com o seu sacrifício que há momentos em que é preciso dizer não para que a água da vida corra limpa. 

Vinham de todas as camadas sociais mas predominavam os camponeses, os operários, os intelectuais e os jovens. Recordo-os a todos como pessoas nas suas diferenças sociais e políticas e queria com estas palavras erguer um longo mural que chamasse, um a um, todos os nomes. Eles assumiam, letrados ou não, a dignidade antiga e quase sagrada de Sócrates perante os quinhentos juízes do tribunal de Atenas. No final do espectáculo, o Tribunal Plenário condenava as vítimas a anos e anos de prisão, a que acrescentava as medidas de segurança de seis meses a três anos, renováveis tantas vezes quantas a polícia política decidisse com a dócil assinatura dos servidores do Plenário.

Renovo a saudação a todos quantos participaram nesta breve memória dos tempos sombrios. Mas as últimas palavras reservo-as para a primeira noite dos condenados depois da leitura da sentença: embrulhados nas mantas imundas, cortados da vida, sem outro futuro à vista que não o do cárcere e o da "fé". ■

CLÁUDIA CASTELO 
Começo por recordar um texto de José Régio proferido no âmbito da Campanha Eleitoral da Oposição, em 1949:
"Na luta que actualmente se trava em Portugal entre duas formas de pensar e sentir, de governar e de ser – um poderoso elemento há com que jogam os nossos antagonistas: o medo. «O medo é que guarda a vinha» - diz-se. Em grande parte, tem sido o medo que tem guardado a actual Situação. Pode, ainda, ser o medo quem melhor a defenda. Não só em Portugal como em quaisquer países onde um regime conquistou o poder pela força, e pela força impera, esse poderoso inimigo da alma se agigantou a ponto de tapar todo o horizonte.
Inimigo da alma, digo: Porque é o medo que tolhe até os impulsos mais generosos, faz desistir até das aspirações mais justas, afoga até o grito mais espontâneo e, em suma, corrompe e assombra até a mais clara visão da vida. Pelo medo fica a alma pequenina, embaraçada, inerme, torpe. Encolheu-se – dizemos nós de quem teve medo de agir. E não há imagem mais justa. Não admira que cultivem o medo […] todos os regimes autoritários; todos os governos dum partido exclusivo” (CAMPANHA ELEITORAL DA OPOSIÇÃO, Depoimento contra depoimento, 1949, Lisboa, Edição dos Serviços Centrais da Candidatura, p. 58-59).
As palavras de Régio, particularmente lúcidas e incisivas, são uma clara denúncia do império
entorpecedor e desmoralizador do medo que dominou Portugal durante 48 anos. De facto, a longevidade do regime teve muito a ver com a sua natureza profundamente opressiva e obscurantista.
O movimento Não Apaguem a Memória! é um movimento cívico que pugna pela salvaguarda da memória da resistência à Ditadura Militar e ao Estado Novo, para que seja dignificada a luta pela liberdade e pela democracia. O Movimento foi criado na sequência de um protesto cívico realizada a 5 de Outubro de 2005, por um grupo de cidadãos livres e independentes, que quis expressar o seu desagrado pela transformação da sede da PIDE (na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa), num condomínio fechado. No próximo dia 11 de Dezembro, serão julgados no 6.º juízo criminal de Lisboa dois companheiros do Movimento: o «capitão de Abril» Duran Clemente e João Almeida, acusados de «desobediência qualificada», por terem integrado aquele acto de cidadania. Todos os que reivindicamos o direito e o dever de lembrar sentimo-nos igualmente arguidos naquele processo.
Desde que há um ano se formou, o Movimento tem vindo a contactar com os poderes públicos (a Câmara Municipal de Lisboa, os grupos parlamentares, diversos ministérios, etc.), para que se preserve, investigue e divulgue a memória da luta contra o fascismo e o colonialismo, nomeadamente através da dignificação de locais simbólicos da repressão, como sejam a cadeia do Aljube, o Forte de Peniche, o Forte de Caxias, a sede da PIDE/DGS e as suas delegações do Porto e Coimbra, a Prisão de Angra do Heroísmo, o Campo de Concentração do Tarrafal, os Presídios Militares, o Tribunal Militar, os tribunais plenários de Lisboa (Boa-Hora) e Porto (S. João Novo), a sede dos Serviços de Censura, etc. Como sustenta o historiador francês Pierre Nora, identificar e assinalar lugares de memória torna-se particularmente importante porque os meios de memória (a memória colectiva espontânea, dos que viveram os acontecimentos ou foram seus contemporâneos) irão inevitavelmente perder-se (vd. Les lieux de memoire, Paris, Gallimard, 1984).
Paralelamente aos contactos com as entidades oficiais, o Movimento tem procurado sensibilizar e mobilizar a sociedade civil para as suas causas. E está particularmente interessado em chegar às gerações mais jovens.
A cerimónia que hoje aqui nos reúne, o descerramento de uma placa que perpetua a memória deste espaço, é a primeira concretização pública dos objectivos do Movimento. Nesta sala funcionou o Tribunal Plenário de Lisboa, entre 1945 e 1974, nesta sala foram acusados e condenados por crimes políticos, portugueses que não se encolheram. Esta cerimónia reveste-se, pois, de grande significado de cidadania, solidariedade e fraternidade, tanto mais que conta com a presença não só de antigos presos políticos e de advogados de defesa do período da ditadura como de altos representantes do poder executivo, legislativo e judicial do actual regime democrático.
Todos nós os que aqui nos reunimos hoje, repudiamos a farsa jurídica encenada durante 30 anos nesta sala; todos nós repudiamos uma administração da Justiça contra o povo, em nome de interesses mesquinhos de um regime autoritário e iníquo; todos nós repudiamos a colaboração activa, com a polícia política, de juízes de nomeação governamental; todos nós repudiamos as condições preparatórias do processo judicial sob prisão e tortura; todos nós repudiamos as “medidas de segurança”, que mais não eram que um eufemismo para uma longa e arbitrária detenção dos que ousavam contestar o Estado Novo, ter ideias próprias e diferentes sobre o modelo político, económico, social e cultural do país, ultrapassar a inércia e o comodismo, quebrar o silêncio, vencer o medo; todos nós repudiamos a sistemática violação dos direitos dos cidadãos que os tribunais plenários continuaram a praticar, mesmo depois de aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem (a 10.12.1948).
Mas não basta afirmar este repúdio, não basta que os antigos presos políticos, os advogados de defesa, as autoridades judiciárias, os companheiros do Movimento tenham consciência «do rebanho perseguido pelo medo, que da vida perdeu o sentido», não basta que nós (os que viveram e os que estudaram) saibamos que houve alguns que se recusaram «a chegar a ratos» (como disse Alexandre O’Neill). É necessário mais; é necessário que esta memória seja transmitida às novas gerações e a toda a comunidade nacional, para que possa perdurar através da História.
Por isso, esta placa – estática, muda e fria, como é próprio de qualquer placa – é apenas um começo. Importa trazer a este tribunal os jovens das escolas básicas e secundárias, promover visitas de estudo, debates, trabalhos de reflexão e de pesquisa. Cabe aos ministérios da Justiça e da Educação acarinhar e desenvolver projectos educativos sobre a Justiça e o Direito antes e depois do 25 de Abril de 1974. Para que este lugar de memória possa incitar à pedagogia democrática, à produção e divulgação de visões críticas, vivas e plurais da história da ditadura – o que nos parece um imperativo cívico e ético em democracia.
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*Alusão ao «Poema pouco original do medo», de Alexandre O’Neill, publicado no livro No reino da Dinamarca, 1958.

MACAISTA MALHEIROS:

NESTE LUGAR de triste memória, quero evocar as centenas de réus que por aqui passaram sacrificando a sua liberdade à luta pela democracia. Entre outros, os militares e civis do processo de Beja, os comunistas, funcionários e militantes, os católicos cuja consciência obrigava a dar testemunho contra o fascismo, camponeses que lutavam pelo pão e que na segunda metade do século XX, reivindicavam, ainda, 8 horas contra a escravatura do sol a sol, os operários só porque fizeram greves, jovens estudantes dos movimentos de esquerda e extrema-esquerda, ansiosos de liberdade. Vi, eu próprio, neste Plenário, serem espancados pela PIDE, com o consentimento de juízes, o Jorge Araújo, que o advogado Cunha Leal procurou em vão proteger, e, noutro momento, o Joaquim José Dias, ambos militantes comunistas, apenas porque insistiam em denunciar as torturas a que tinham sido submetidos na PIDE. Até a mulher do Joaquim José Dias, ré no processo, foi agredida à bofetada por um PIDE, chefe da brigada que policiava o tribunal, só porque gritava "Ai! Que matam o meu marido!".


Ninguém descreveu melhor o Plenário do que Aquilino Ribeiro, em "Quando os Lobos Uivam". Por isso foi acusado, só não tendo sido julgado, certamente, por terem medo das repercussões internacionais. Escreveu ele: "Plenário... rima com... calvário, rosário, bestiário... até prostibulário". "O legislador encontrou o termo que convinha ao odioso tribunal". "Melhor só um tricorne de inquisidor". "Com a novíssima estrutura judiciária dois dos juízes eram corregedores do crime, e presidente um desembargador". "Mais chocho e perro que o presidente... não havia no quadro". "Um dos adjuntos... reunia em si o tipo do magarefe... e até no manejo do cutelo quando se tratava de aplicar a lei". "No tempo da forca era homem, para, à falta de carrasco, puxar à corda". "Quando interpretava o código, tendia para a pejorativa". "O outro assessor... passava por ser o zero absoluto". "Chegara à corregedoria pela insignificância, à parte a zumbaia". .. era um catolicão até à medula..." .. o representante do Ministério Público, juiz em comissão..." "Ele próprio deixava entender... que era o ouvido predilecto do ministro". "Frieza e servidão incondicional ao poder haviam-no remido da miséria de pontos com que se apresentara a concurso" ... o ministério da Justiça precisa de tais instrumentos para as leis celeradas". Mas Aquilino Ribeiro recorda-nos ainda, noutras páginas do livro, que a violência era prática comum no Processo Penal daquele tempo e não apenas dos processos políticos: "Pegou do cavalo-marinho, que a violência e os castigos corporais eram o processo corrente de averiguação ressurgido pelo aparato judicial..." "Descarregou-lhe segunda, terceira, quarta vergalhada, à quinta...". Tenhamos, porém, presente que o Plenário serviu para aprendermos o que não deve ser o Processo Penal. O Presidente do Tribunal Constitucional, jovem magistrado, com o saudoso Rui Pinheiro, publicou logo após a promulgação da Constituição um estudo sobre a importância dos princípios constitucionais parra o processo penal. A Constituição transformou-se em direito vigente, positivo, as garantias que durante décadas foram negadas e que não devemos permitir que se esqueçam. Refiro alguns artigos: Todos têm direito a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade — 20.° O direito de resistência — 21.° Ninguém pode ser submetido a tortura —25.° Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos — 27.°, 4 A detenção será submetida, no prazo máximo de 48 horas a aprovação judicial — 28.°, 1 A decisão judicial que mantenha a detenção deve ser logo comunicada a parente ou pessoa de confiança do detido por este indicados — 28.°, 4 Os condenados mantêm a titularidade dos direitos fundamentais — 30 5 O arguido tem direito a ser assistido em todos os actos do processo pelo defensor — 32f, 3 São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicilio, na correspondência ou nas telecomunicações — 32.°, 8 Estes princípios consagrados na Constituição e desenvolvidos no Código de Processo Penal regulam a actuação das polícias, do Ministério Público e dos juízes, e hoje o cidadão pode confiar que os magistrados portugueses protegem de forma firme estes direitos, mesmo quando são sujeitos a pressões demagógicas. Aqueles juristas, que consideram haver demasiadas garantias para os arguidos no Processo Penal português, devem ter consciência da prática da PIDE e das perversões que a complacência dos homens, que desonraram a sua beca de magistrados ao serviço do poder no Tribunal Plenário, permitiu e que não devemos consentir se repitam. Nós, advogados, apenas tivemos a honra de acompanhar, nalgumas das suas horas amargas, esses réus torturados e humilhados, que sacrificaram a liberdade para que da noite rompesse a madrugada. Para eles e elas, vai a minha admiração, o meu respeito e o meu agradecimento. ■

2015/09/06

Françoise Hardy - Le Temp de l' Amour

Ofereço-vos esta querida dos anos 60, como se o tempo não tivesse passado. 
Françoise Hardy nasceu em Paris, em 1944. E, como nós, é sensível ao tempo.

1963                                      2010                                                                    2015
Le temps de l'amour   Françoise Hardy

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2015/08/30

Pela terra de Ataturk

Passeávamos pela Istiklal Caddesi quando decidimos visitar a Torre Galata. A manhã ainda era uma criança andámos andámos, atravessamos a ponte com o nome da Torre e fomos ao grande Bazar das Especiarias. Um espanto para olhos ibéricos. Andámos mais e mais quando a fome nos avisou. Aproveitámos um restaurante/explanada que nos convidava. Um gato preto aproximou-se com um olhar turco e interrogativo. Demos-lhe keba, do nosso prato que apreciou visivelmente mas o pão, esse recusou, ainda que delicadamente. A nossa conversa ficou por ali porque o "garçon" não gostou da cena e afastou-o persuasivo com o pé.
Bem comidos, já reconciliados com Istambul que, como sabem, foi Constantinopla de não menos pergaminhos, pusemos pés ao passeio e atrevemo-nos a uma mesquita que de nós se aproximou. Por ali, mesquitas é o que mais há, como igrejas em Portugal.
Descalçava os sapatos julgava eu que em rigoroso cumprimento das regras muçulmanas quando o guardião do templo acode e me proíbe de o fazer em cima do tapete. Ali só depois de descalço. Entramos com a boca a abrir-se-nos de espanto perante tanta beleza. Um gradeamento, com uma abertura, defendia o centro interior da mesquita. Àquela zona nobre só podiam aceder os homens. Às mulheres, "seres impuros", concluí, oferecia-se-lhes as margens do templo, fora do gradeamento onde várias se postergavam convictas. No centro um dos homens gatinhava de pés e mãos e fazia longas e repetidas genuflexões, cabeça até ao chão e rabo apontado à cúpula. Meditava... que pecados terá cometido este súbdito do Grande Ataturk e agora do detestável Erdogan para tamanhas reverências.
Uma espanhola ao lado de Maria, que connosco entrou, ria-se do pecador e com o olhar dizía-nos "só visto".
Agora fico-me por aqui para não vos maçar. Mas depois conto como fomos apanhar o barco para Çiragan, no Bósforo, um pouco mais à frente. O Bósforo? Não sabem onde é o Bósforo? É o estreito que liga o Mar da Mármara ao Mar Negro ali mesmo juntinho a Istambul que sobre ele olha para o outro lado, para a Turquia da Anatólia, para a infinita Ásia. Ponho aqui o mapa.

 


2015/08/21

Bento de Jesus Caraça, um homem que abençoava as ilusões

Intervenção de Helena Neves 

na Iniciativa do Movimento Não Apaguem a Memória - NAM em parceria com campOvivo, em 5 de Janeiro de 2015, na Padaria do Povo, onde funcionou a Universidade Popular entre 1919 e 1948

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Há cem anos, nasceu uma criança do sexo masculino que, diriam mais tarde as velhas mulheres, parecia fadada por uma estrela. Estrela, sem dúvida, contraditória. Porque, se cedo se evidenciou que a sua sorte seria diversa daquela a que a origem social o destinava, e a sua vida se afirmou, desde a infância, como conquista de espaços cada vez mais amplos, o seu tempo seria breve. Ao morrer, 47 anos depois, o adulto que foi esse menino diria, segundo testemunho do sobrinho, «tão pouco tempo...» Tempo breve mas intenso. Marcando a sua época. E a nossa ainda.
 Falamos de Bento de Jesus Caraça, filho de trabalhadores rurais, nascido a 18 de Abril de 1901, em Vila Viçosa.
A morte tocou-lhe à nascença. Conta a irmã, mais nova, Filomena Caraça, que a mãe, aflita, vendo o menino a finar-se, correu à igreja a baptizá-lo, sem pensar sequer que nome pôr-lhe. Acudiu-lhe o padre, sugerindo Bento de Jesus. Mais tarde, Bento Caraça ironizará em resposta a uma crítica ao seu trabalho em O Diabo, jornal da frente intelectual mais radicalmente oposicionista e plataforma do movimento neo-realista. «Um articulista de Beja descobriu numa hora de ócio que há uma quase contradição entre o meu nome tão católico (sic) e o meu ingresso nas hostes diabólicas (re-sic). Que quer amigo? Fui baptizado à pressa e com um escasso mês de idade. Razões por que se julgaram dispensados de me consultar...»
Levado aos dois meses, pelos pais, para a Aldeia de Montoito, no Redondo, onde o pai é feitor da Herdade da Casa Branca, dá aí os primeiros passos e conhece, com pouco mais de 4 anos, as primeiras letras ensinadas por um trabalhador errante, desses que sazonalmente chegavam ao Alentejo, este trazendo, no pouco de seu, uma cartilha  escolar. Impressionada com a inteligência do menino, a senhora da herdade, D. Jerónima, torna-se «sua protectora»: assim assinará as cartas e postais que lhe escreve, até morrer, para os diferentes lugares para onde o envia a aprender a ser diferente: um homem culto.
 É neste percurso protegido que Bento Caraça passa pelo Liceu Sá da Bandeira, em Santarém, e, em 1915, se encontra no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, espaço de descoberta de amigos, como Luís Dias Amado, tornado quase irmão, e Carlos Botelho, pintor da cidade e dos seus entardeceres; espaço de encontro com o amor através de Maria Octávia, filha do professor de matemática, Adolfo Sena; e limiar... (continua aqui)

2015/06/22

Diego Rivera

Diego Rivera constitui com Siqueiros e Orozco o mais célebre grupo de muralistas do México. Nasceu em 1886, em Guanajuato, capital do Estado mexicano do mesmo nome e morreu na cidade do México em 1957. Fez parte com aqueles e outros artistas mexicanos do movimento revolucionário Mexicano iniciado em 1910.
A Revolução Mexicana teve como principais objectivos a reforma agrária com a distribuição de terras aos camponeses e a defesa e valorização da cultura indígena. “Tierra y Libertad” era o lema. Os movimentos revolucionários foram vencidos após vagas repressivas e o assassinato dos líderes camponeses Emiliano Zapata, em 1919 e Francisco ‘Pancho Villa’, em 1923.
O México foi o centro das atenções das Américas relativamente às artes plásticas durante as décadas de 1920 e 1930.  Os pintores mexicanos, com particular destaque para os três referidos muralistas, criaram um movimento em prol da ‘arte revolucionária’, uma arte para o povo, daí os grandes murais nos edifícios públicos nos quais se recuperava a arte pré-colombiana das civilização Maia, Asteca, Inca a par da arte moderna que se desenvolvia na Europa onde Rivera estudou, pintou e conviveu com  intelectuais e artistas dos mais destacados desse período como Picasso ou Juan Gris.
Rivera já muito famoso foi contratado para vários murais nos EUA depois de cancelada a proibição de entrada no país por ser comunista. Entre outras obras pintou um grande mural no Centro Rokefeller de NY a convite de John D. Rockefeller Jr. Este ao saber que no mural figuravam as imagens de Marx, Trotsky e particularmente destacada a de Lenine como representante de uma sociedade nova tentou convencer Rivera a apagar a figura de Lenine. Ante a recusa de Rivera este foi pago e despedido e a pintura tapada com um oleado e algum tempo mais tarde, em 1934, destruída. Rivera reproduzi-a depois com o título "O homem controla o Universo" no palácio de Belas Artes da cidade do México, com base na filmagem do mural de NY. O Mural em NY provocara uma campanha hostil da imprensa conservadora e manifestações de apoio de artistas norte-americanos.
A fonte principal é o livro de Andrea Kettenmann, biógrafa e grande conhecedora da obra de Rivera.
(Um clique amplia as imagens)

 
 Diego Rivera e Frida Kahlo a artista com quem se casou 2 vezes. Foto, em cima, pintura em baixo
 
 
Nu com Jarros (Desnudo com Alcatraces) 1944
 Retrato da Srª Dona Elena Flores de Carrillo, 1953 

 
 Tentações de Stº Antão, 1947, óleo em tela, 90x110 cm, Museu Nacional de Arte, Cidade do México
 Cântico à Terra e aos que a Trabalham e Libertam. 1926/27 Nave e cúpula de antiga capela, Universidade Autónoma de Chapingo. Faz parte de um conjunto de murais de 14 paredes principais e 27 secundárias com 370,23 m2
 

 A Conquista ou a Chegada de Hernán Cortés a Veracruz, (4,92x5,27m) 1951 - PalácioNacional Cidade do México
 
O Homem controla o Universo -1934 Fresco 4,85x11,45 m Palácio de Belas Artes Cidade do México
  
Representação de Lenine, pormenor do mural na imagem anterior
 
A América Pré-Hispânica, 1950, óleo em tela 70x90cm e capa do livro Canto General de Neruda
 


Sonho de uma Tarde de Domingo na Alameda Central, 1947/48, 4,8x15m Cidade do México
Pormenor do mural da imagem anterior.