2013/06/08

Na Bósnia em 1997

Em Julho de 1997 estive na Bósnia na qualidade de membro da Comissão Parlamentar de Defesa da Assembleia da República, no âmbito de uma delegação que se deslocou a este novo país resultante do desmembramento da Jugoslávia, para visitar as tropas portuguesas sediadas em Rogatitsa. Da delegação faziam parte Eduardo Pereira presidente da CPDefesa ((PS) , Marques Júnior (PS) já falecido), Acácio Barreiros (PS), João Amaral (PCP) também já falecido, Cardoso Ferreira (PSD) que se vêem de costas na primeira e eu próprio que tirei a fotografia, na qual se vê ainda o coronel Carmelino Mesquita que comandava a força portuguesa e o embaixador português em Sarajevo. Ao fundo vê-se o helicóptero que nos transportou entre Sarajevo e Rogatitsa.
A força militar portuguesa fazia parte da EUFOR e estava em "missão de paz" na Bósnia na sequência da guerra fratricida que levou ao desmembramento da antiga Federação da Jugoslávia e que teve lugar entre 1991 e 1995.
Na foto em que estou com Marques Júnior vê-se, ao fundo, Sarajevo, capital da Bósnia Herzegovina, que sofreu grandes bombardeamento durante a guerra que opôs a população sérvia e a população bósnia maioritária. Recordo-me de ter  inadvertidamente pregado um susto ao embaixador quando saí da estrada e entrei pelo campo para tirar umas fotos. Gritou-me, "não se mexa e volte pelo mesmo caminho, os terrenos ainda estão cheios de minas".
Em Rogatitsa procurei saber se o que me contavam os militares portugueses teria fundamento: que eram bem vistos e bem tratados pela população local que na Bósnia se manifestava particularmente contra a tropa de alguns países aí presentes pelo seu comportamento arrogante para com os locais. Pareceu-me que a informação tinha fundamento. Quando declinávamos a nacionalidade numa curta volta pela povoação éramos manifestamente bem recebidos. Alguns militares portugueses dando fé à legenda da nossa propensão para a miscigenação já tinham, aliás, planos ou promessas de casamento com moças locais.
(Nota: um clique nas fotos amplia-as)


2013/06/06

402 estudantes pedem a demissão de Salazar, em 1959.

José Bernardino, meu colega do IST foi quem me veio pedir a assinatura, em 1959, para o abaixo-assinado  que a seguir reproduzo. Assinar um documento destes era então um risco sério à liberdade e ao futuro profissional. Mas o fascismo se metia medo também criava uma intolerável indignação e tornava corajosas pessoas comuns. 
Conheci o José Bernardino na Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico era já ele um quadro experimentado e carismático do movimento estudantil. Vivia na Av de Roma com os irmãos. As tertúlias em sua casa levavam-me a imaginar o que seria uma sede do PC. O mais velho era o Davide outro quadro político de envergadura. Viria a ser morto, em Angola, pela UNITA, quando exercia medicina, no Huambo, sua terra natal. O Zé foi também meu colega de tropa, a partir de Agosto de 1959, uns meses depois deste abaixo-assinado. Foi ele que me recrutou para o PCP, em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, onde iniciámos o Serviço Militar Obrigatório como cadetes. Depois fomos colocados, em Janeiro de 1960, mais o Ernâni Pinto Basto e o José Almada Negreiros, já como oficiais milicianos, no GACA-2, em Torres Novas. O José Bernardino passou a viver na clandestinidade, como "funcionário" do PCP a partir de 1961. Foi preso logo em 1962, no âmbito de grandes lutas estudantis, tendo saído em liberdade só em 1969. Voltou à clandestinidade pouco depois da libertação. Foi membro do CC do PCP, foi casado com Manuela Bernardino de quem teve duas filhas. Faleceu em 1996, com apenas 62 anos. Link. Ernâni Pinto Basto foi professor de Matemática e ficou celebrizado, nomeadamente, na foto que deu origem a um não menos célebre livro "A FOTO" como se explica aqui. José Almada Negreiros filho do grande Almada, era arquiteto e também um excelente camarada (camarada era e é o tratamento usual nas Forças Armadas). Depois do 25 de Abril reencontrámo-nos para jantar e festejar o fim da ditadura, ele, eu e o Ernâni. Nós levávamos uns carritos vulgares e ele com um Porsche achou conveniente desculpar-se:"É que eu não posso andar a mudar de carro todos os anos!". 
 




2013/06/02

A ARA contra a Guerra Colonial e o Fascismo

- Aluga aí um apartamento mobilado, rapidamente. Tens dois dias - disse-lhe eu para o apressar e dei-lhe uma zona larga de Lisboa para procurar.

- Eh pá, então alugas-me um apartamento clandestino assim, num prédio destes, no meio da avenida dos EUA com a Av de Roma?... - repreendia eu o Martins que era um camarada completamente "limpo" e que ficaria de quarentena, sem qualquer actividade política, enquanto precisássemos da casa.

- Olha olha!... queres melhor? Num sítio chique, assim, é que a PIDE não desconfia.
Na realidade não conhecia ninguém que vivesse perto do local e como a urgência era máxima,  conformei-me.

O apartamento iria servir de refúgio para o Ângelo de Sousa quando fugisse da Base Aérea 3, em Tancos, após a sabotagem dos aviões e helicópteros e serviria ainda para os últimos preparativos da sabotagem, nomeadamente a simulação da colocação das cargas explosivas e incendiárias nos aviões e helicópteros, ligações da complexa rede elétrica, tudo isto às escuras ou com um fiozinho de luz de minúsculas lanternas. A simulação foi exercitada até a lição ficar sabida de cor e salteada pelo Carlos Coutinho e o Ângelo de Sousa. O António Eusébio também ajudava à festa mas o papel dele era ficar de fora do hangar a vigiar a entrada.

Correu tudo muito bem. Exceto o susto que apanhei mas felizmente só 4 anos depois, em 1975, já a revolução andava à solta pela rua, quando soube que no andar de cima do nosso quartel-general morava um familiar meu. Era de todo inconveniente que por acaso ou azar me visse por ali. Meter familiares ou amigos nestes assuntos era de todo, mas de todo mesmo, inconveniente a menos que programado.
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Na imagem: Nota da PIDE publicada nos jornais e na TV, na expectativa de que alguém a ajudasse a encontrar o Ângelo. Não encontrou. O Ângelo foi a salto para o estrangeiro e algum tempo depois voltou para a clandestinidade, para lutar na ARA, com a Fernanda, sua namorada à data dos factos. Tiveram três lindas filhas, hoje umas senhoras. 
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Os nomes citados são verdadeiros excepto o de "Martins" que é pseudónimo. A verdadeira identidade nunca foi revelada por razões familiares porque era uma pessoa muito próxima de um ministro de Marcelo Caetano.
 

2013/05/31

Soares junta as esquerdas na reitoria da UL

Mário Soares tomou a iniciativa de organizar um encontro  "contra a política de austeridade" com os partidos de esquerda representados na AR para que em conjunto falassem sobre a situação dramática que o país atravessa. Para que se encontrem, para que falem de tanto que os pode unir para bem dos portugueses. Para que se inicie um caminho virtuoso que conduza a um governo e uma política que salve Portugal da praga que é o Governo da "Tróica" que não dos portugueses.
 
A iniciativa teve o acolhimento de Sampaio da Nóvoa ainda reitor da Universidade de Lisboa em cujo anfiteatro se realizou o encontro. Na Mesa estavam Mário Soares,  Maria do Rosário Gama, líder da Associação de Aposentados Pensionistas e Reformados (APRE), Cecília Honório, deputada do Bloco de Esquerda, João Ferreira, eurodeputado do PCP ,  Ramos Preto deputado do PS e António Sampaio da Nóvoa que falaram por esta ordem.
Todos foram muito aplaudidos mas Sampaio da Nóvoa levantou em aplausos várias vezes ao longo do seu discurso o anfiteatro inteiro. Aqui e ali ouviam-se apelos a que se candidate à presidência da República.
De cada vez que o governo era referido reboavam pelo anfiteatro os gritos de demissão, demissão. Já quando era pronunciado o nome do mais alto magistrado da nação a vozearia mudava para "palhaço", "palhaço". 
Após a sua intervenção, Soares leu uma mensagem de um dos organizadores que não pôde estar presente e nomeou por "o camarada Pacheco Pereira". Presentes muitos dos organizadores, promotores e dirigentes partidários,  nomeadamente Vitor Ramalho os líderes da UGT, Carlos Silva, e da CGTP-IN, Arménio Carlos, o ex-candidato à Presidência da República Manuel Alegre, o sociólogo Boaventura Sousa Franco, João Semedo, Catarina Martins e Francisco Louçã do BE, Domingos Abrantes do PCP, deputados do PS, Ferro Rodrigues, Pedro Nuno Santos, Sérgio Sousa Pinto, Alberto Costa, o antigo presidente da AR, Almeida Santos, militares como Vasco Lourenço, Pezarat Correia e muitas outras personalidades da política, da ciência, da universidade, da cultura.
A sessão terminou com a mesa e assistência de pé a cantar a Grândola.

2013/05/10

Na Polónia, na "Toca do Lobo" de Hitler


 

Agora que se comemora o fim da 2ª GM, a maior barbárie cometida pela civilizada Europa, na qual morreram 50 milhões de pessoas e arrasou dezenas de milhar de cidades e vilas lembrei-me de evocar esta "cena".
 
Aquele tipo que está ali à direita sou eu e o da esquerda, mais velho uns 20 anos, era um dirigente do PC Suíço, homem de vasta cultura e inexcedível simpatia. O local é nem mais nem menos que o do mais célebre quartel-general de Hitler, durante a 2ª guerra mundial (1939-45) conhecido por "covil do lobo" ou "toca do lobo" (Wolfsschanze), escondido numa densa floresta da Mazúria, no nordeste da Polónia, perto da fronteira com a Rússia, a oito quilómetros de Ketrzyn. Em 1940/41 quando o complexo foi construído o território era alemão e dava pelo nome de Prússia Oriental.

Aquela montanha que se vê atrás de nós é de cimento armado e tem 9 metros de espessura. É o tecto do gabinete e dos aposentos de Hitler que ficavam abaixo do solo. Esta monstruosa espessura era graduada conforme a importância dos chefes  nazis e vinha por aí abaixo, com 8, 7, 6 ou 5 metros, para Goering, Himmler, Bormann, Keitel, Goebbels, Todt, Speer,... 
Estávamos os dois, em 1982, a representar os PC dos respectivos países a convite do Partido Operário Unificado da Polónia (o PC polaco) para uns encontros políticos no momento da Festa anual do Tribuna Ludo, o Avante polaco. Fizemos juntos a viagem de Varsóvia até ao bunker nazi e já antes até Cracóvia e tivemos oportunidade de conversar muito sobre os nossos países e a Polónia de Jaruzelski e do Solidariedade de Lech Walesa. Informava-me ele com um certo ar desiludido: "Sabe camarada Narciso, - falávamos em Francês - a Suíça será o último país da Europa a ter o socialismo" - Então pensávamos ambos que, a não ocorrer uma catástrofe telúrica, o comunismo alastraria por toda a Europa (a seu tempo, que eu nunca tive a ilusão que fosse coisa para a minha vida) tão inevitavelmente como em Maio as cerejeiras darem cerejas. Afinal a realidade que não estava a par das nossas esperanças não obedeceu aos planos traçados, como se sabe.
Então porquê? - Questionava-o eu sobre isso da Suíça se atrasar para o comunismo - Sabe, é que não temos classe operária. Os operários são todos italianos, espanhóis, jugoslavos ou portugueses. Fiquei aí a pensar que nos adiantaríamos à reluzente Suiça, o país mais parecido com os respetivos postais ilustrados em todo o mundo. Fiquei com esta opinião quando certa vez depois de conhecer Genève, Zurique, Berna passeando por uma mata suíça admiti que eles até varressem as florestas... tudo tão limpo, tão alinhado, brilhante e certinho, os campos como as cidades, um esplendor.
- Nem no comité central nos entendemos.
Dissidências, está-se mesmo a ver, receei eu mas logo ele adiantou.
- Precisamos de intérpretes do Francês para o Alemão e do Alemão para o Italiano.
A toca do lobo era "um complexo  com cerca de 80 edificações camufladas no coração da floresta polaca, foi um dos principais centros de comando de Adolf Hitler durante a II Guerra Mundial, altamente fortificado, para proteger a elite nazi de bombardeamentos aéreos durante a operação "Barbarrosa", a invasão da ex-União Soviética.Para que o local não fosse detetado do ar, os edifícios foram camuflados, bem como os caminhos, cobertos com redes de folhas simuladas, que eram mudadas de acordo com as estações do ano, para se confundirem perfeitamente com a floresta. O complexo fortificado, estava rodeado por campos de minas que levaram cerca de dez anos a serem removidas."
Na sequência das derrotas frente ao Exército Vermelho a "Toca do Lobo" foi destruida pelos nazis em retirada. "Hitler abandonou o local a 20 de novembro de 1944. Na sua destruição foram utilizados entre 8 a 10 toneladas de explosivos por cada fortificação, mas essa quantidade não foi suficiente para o destruir completamente."
 


"A "Toca do lobo" ficou famosa após uma dramática tentativa falhada de assassinato do ditador nazi, levada a cabo pelo Coronel Claus von Stauffenberg, em  20 de Julho de 1944, que chegou ao cinema através do filme "Valquíria", protagonizado por Tom Cruise." Na sequência do golpe falhado Hitler manda matar mais de 200 pessoas e envia para campos de extermínio mais 5000.  Hitler exige que os conspiradores... sejam enforcados com cordas de piano, penduradas em ganchos de açougue, sendo estas execuções lentas, algumas foram até gravadas para o Führer assistir".
Em 1982, na Polónia, Jaruzelski tinha imposto a lei marcial na sequência das grandes greves e movimentações operárias nos estaleiros de Gdansk mas o ambiente não me parecia ser o de terror ou sequer de grande medo. O meu intérprete que falava um português perfeito mas "brasileiro" depois de alguns dias de contacto e conversas não se inibia de dizer mal, mesmo muito mal, do regime a um... comunista convidado do regime.

2013/05/08

Herói israelita ou herói palestiniano? Ainda que involuntário.

O soldado israelita Gilad Shalit (que também tem a nacionalidade francesa) foi aprisionado pelos palestinianos em 2006 e libertado 5 anos depois, após difíceis negociações e por troca de 1.027 palestinianos prisioneiros em Israel. Hoje é um herói nacional israelita, recebido e incensado pelas mais altas autoridades.
A Israel fazia jeito mais um mito contra os palestinos e criaram um herói.
Agora, após um entrevista a Gilad Shalit, o jornalista do israelense Haaretz, Ben Capit, revela-nos a história, perfeitamente conhecida pelas autoridades de Israel mas desconhecida da população, a história, bem humana, de Gilad Shalit mas sem sombra de heroismo.
Em 25 de Junho de 2006 dois palestinianos do Hamas atravessaram a fronteira de Gaza com Israel através de um túnel e atacaram um carro de combate israelita em Kerem Shalom. O tenente e o sargento receosos da explosão do tank saltaram para o chão e chamaram o soldado Gilad que, naturalmente atemorizado não se mexeu. Teve sorte, os seus camaradas foram mortos de seguida. Pouco depois os palestinos atiraram duas granadas para dentro do tank mas Gilad tinha a sorte do seu lado apenas ficou ligeiramente ferido e saiu colocando no chão a metralhadora M-16. Foi aprisionado. 
Dizem os militares que se em vez de se manter encolhido dentro do tank tivesse subido até à metralhadora do tank, internamente e invisivel de fora, e a tivesse usado após os tiros que atingiram os seus camaradas o resultado teria sido diferente.
O soldado Gilad não se portou como herói nem sequer como um combatente motivado. Jovenzito, 20 anos, metido naquelas alhadas da infinita guerra israelo-palestiniana, com fanáticos terroristas nos dois campos, tentou salvar a vida encolhendo-se. Como soldado que vê os seus camaradas serem abatidos, tendo à mão a arma potentíssima do tank Merkava de 65 toneladas é um comportamento decepcionante. Pode-se aceitar dadas as circunstâncias mas é tudo menos heroísmo.
A sua troca por mais de mil prisioneiros palestinianos tornam-no um herói mas... do Hamas. Ainda que involuntário. Por mim, dadas as circunstâncias,
está desculpado.

2013/03/19

Imagens da tertúlia do NAM "Objectos com História" no Vá-Vá em 2013-03-16

A notícia está no poste imediatemente antes deste.
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Vá-Vá . E vão 3... tertúlias

O trânsito era tal que me atrasei e Já não consegui apanhar os melhores lugares no café. Quando entrei na Av de Roma a caminho do Vá-Vá para participar na tertúlia “Objetos de memória” (da luta contra a ditadura), iniciativa do Movimento Não Apaguem a Memória, surgiu um stop arreliador.  Polícia de Trânsito, um “creme nívea”, cães polícia, “Polícias de Choque” a pedirem documentos e olharem-nos com olho de polícia,  carros a encherem a avenida, um inferno. Que será isto? Interrogávamos, os polícias, moita carrasco, nada e depois já se sabe, cada cabeça sua sentença. Dizia um, aposto que é por causa do Papa. Olha o papa! Isso já foi há dias!! Haverá futebol para estes lados? Adiantava outro, incrédulo. Hum… não me parece, alvitrava uma miúda alta, Rita, acho que foi Rita que disse. Apercebeu-se que éramos do Movimento Não Apaguem a Memória e à puridade bichanou-nos. Não é nada. Nem são bem polícias, acho eu. Perante o nosso espanto confidenciou: cá para mim isto foi ideia da direção do NAM, da Helena Pato, da Lúcia Esaguy ou da Maria Manuel Calvet Ricardo, como marketing da tertúlia, no Vá-Vá, agora às 16h. Não me parece nenhum stop verdadeiro com aquele "Creme Nívea" antigo – acrescentava ela – é mas é um “objeto de memória” para lembrar o tempo da ditadura. Abríamos a boca de espanto quando um dos pseudo-polícias ordenava: vamos vamos cidadãos e dava ordem de marcha. Olha, olha, ouviste? Cidadãos! Vá lá… sempre aprendem alguma coisa no contacto com as massas – dizia uma mulher, a bem dizer uma Senhora, toda aperaltada mas com um certo ar comunista.
O Vá-Vá estava um luxo de gente importante, alguns que até vêm na TV e tudo. Além das diretoras do NAM – disse diretoras e disse bem que aquilo, parece impossível, são mais as mulheres que os homens, lá na direção – estavam todos os interventores anunciados cada um com seu objeto de memória a exaltar as lutas do passado e para exorcizar o fascismo que julguei ser coisa que não voltaria nunca mais mas agora, com este governo estrangeiro, “governo dos mercados” que aí temos já nem sei bem.
O Vá-Vá, quando cheguei, já fervilhava de gente quando a Srª presidenta do NAM, a Helena Pato, apresentou a apresentadora a Doutora Luísa Tiago de Oliveira. Desculpem lá mas vou omitir os títulos. São praticamente todos drs e drªs. Uns mais que outros, doutores por extenso e professores, uns da primária e outras e outros com F grande da universidade.

Luísa Tiago de Oliveira, um dos membros do NAM mais estimados, deu 10 minutos a cada conferencistas e calculando que todos iriam prevaricar deu secretamente mais 5 minutos a cada.  Começou por Alípio de Freitas que nos falou das lutas de Portugal e do Brasil contra as ditaduras de cá e de lá e num discurso bem articulado foi relacionando os tempos idos com os atuais, trocando saudosismos por espírito combatente.  Gastou rapidamente os 15 minutos e teve de dar o lugar ao Artur Pinto, o verdadeiro, o que tem organizado com mais alguns universitários, incansavelmente, sucessivos festas comemorativas do “Dia do Estudante”. Artur Pinto relatou uma interessantíssima história relacionada com o Henrique Galvão onde surgia o “objeto de memória” o livro Vagô. Seguiu-se o Daniel Ricardo que, como jornalista de passado anti- fascista, revelou-nos com muita graça, interessantíssimos episódios  da Capital onde trabalhou. Como aquele caso, bem humano e, quanto ao desemprego, bem atual, do funcionário da censura que foi despedido por ter deixado passar uma notícia “perigosa” d’ A Capital e, muito logicamente, foi pedir emprego ao jornal. Daniel Ricardo contou também a última ida, não ida, à censura do Jornal A Capital, no dia 25 de Abril. Vai não vai. Não foi.
 Depois ouvimos a Luísa Teotónio Pereira, do conselho diretivo do  CIDAC que orientou o discurso para os lados de Amílcar Cabral, esse grande revolucionário e amigo de Portugal e uma das figuras maiores de África, assassinado pelos fascistas-colonialistas portugueses. Trouxe ali bem viva a memória da luta da Guiné e Cabo Verde, evocou os mísseis Strela que permitiram anular a arma terrível que era a aviação portuguesa e os seus bombardeamentos.

Seguidamente ouvimos a Maria Emília Brederode Santos. Apresentou-nos um livrinho escrito na prisão de Peniche pelo seu irmão, uma deliciosa relíquia, um romance de aventuras e do fantástico “ A bicicleta auto-móvel” a revelar os artifícios e a imaginação a que os presos recorrem para, em circunstâncias terríveis, manterem o sangue frio e a sanidade mental.

Evocou a solidariedade com os presos anti-fascistas de uma pessoa amiga que lhe cedeu uma casa que tinha na vila para apoio quando visitasse o irmão e depois alargou a solidariedade a  outras pessoas suas amigas com o mesmo objetivo e de generosidade em generosidade acabou por oferecer a casa a todos os que visitassem familiares presos.

 O empregado do café ia-nos abastecendo com o seu café, a sua mini, o seu croissant, a sua água, voejando sem ruído, invisível, por entre uma amálgama de gente atenta a histórias que as paredes do Vá-Vá nunca tinham ouvido. Apesar deste bom trabalho de logística o intervalo foi bem recebido para mais comes e bebes, mais abraços e mais beijinhos aos chegaram depois ou aos que mereciam mais que uma rodada deles.
Aproveito o intervalo para vos dizer que estas iniciativas trazem sempre no bojo a ideia feliz de atrair os jovens. Para lhes passar a mensagem. Para que peguem no facho. Ora acho que os jovens não estão para aturar as iniciativas dos pais ou avós. Lembro-me do que se passava comigo. Pais e avós falavam da República, dos feitos gloriosos, dos exemplos de cidadania e da recusa de benesses cujo exemplo maior foi o de Manuel de Arriaga, o 1º PR português que dispensou o palácio de Belém e alugou com o seu dinheiro uma casinha ao lado. Mas nós os jovens de então deixávamo-los com a República e tencionávamos descobrir o caminho do futuro por nossa conta. Por isso ao verificar a presença de uns quantos jovens me admirei e até perguntei vieram com a família? Que não. Que não.

Como repararam não me demorei a narrar as histórias pois era quase tudo material altamente confidencial e teria até, talvez, de pagar direitos de autor. Bem… poderia dar outra explicação, a verdade é que não tomei notas e vocês já sabem, depois dos 50 vamos perdendo a memória (Não Apaguem a Memória!) e alguns ali já andávamos quase por essas idades. Portanto não conseguiria nunca trazer-vos aqui o brilho de relatos tão cintilantes, tão carregados de emoção.
A segunda parte foi iniciada pela Helena Neves uma combatente de glorioso passado de luta agora prof na Universidade e que é uma das minhas amigas preferidas (se calhar não devia ter dito isto…) Evocou o passado mas sempre com um olhar no presente e, é claro, dando destaque a tudo o que é lutas das mulheres pela sua emancipação, pela igualdade de géneros enquanto circulava uma foto onde ela está com essa grande Mulher que foi, que é, Maria Lamas.

Foi a vez então de Joana Ruas mostrou-nos desenhos de um menino guineense que sofreu os bombardeamentos nas matas da Guiné onde os guerrilheiros se escondiam. Desenho que relatava a guerra e os bombardeamentos dos colonialistas portugueses e ainda outro “objeto de memória” uma grande colher feita com o alumínio de avião português abatido por um dos célebres mísseis Strela, fornecidos pelos soviéticos após o assassinato de Amílcar Cabral e que pôs em terra a aviação portuguesa.
Joana Lopes, minha colega da luta armada, ainda que de exército diferente, as Brigadas Revolucionárias, apresentou-nos ali o carimbo com que fazia os selos brancos que tornavam verdadeiros os BI e passaportes falsos que os combatentes usavam para arreliar a PIDE. A Joana especializou-se com tais artes que era já uma espécie de Arquivo de identificação, mas das BR. Os Pides quando nas fronteiras ou nos stops examinavam os documentos já diziam desanimados uns para os outros: assim como é que podemos saber se são do arquivo de identificação ou se são da Joana Lopes?

Mário de Carvalho – sim o escritor, o romancista – ora, dizia eu, o Mário de Carvalho lembrou tempos de prisão política, em Peniche. Lembrou companheiros, trabalhadores, homens simples cujo exemplo de serenidade, simplicidade e firmeza perante a tormenta e o horror muito o impressionaram e ensinaram. Recordou que um lhe fabricou a partir da ponta de um cabo da vassoura um peão de xadrez, igual, igualzinho aos outros quando o guarda lho roubou. E roubou porque o Mário de Carvalho batia com ele na parede mas batia com toques pluridisciplinares, tipo morse, para conversas com a cela do lado. O Guarda não gostou e levou-lhe o peão. Perdia-se o Morse e desfalcava-se o jogo do Xadrês de um indispensável peão. O Velez, seu amigo, ali preso como ele, não gostou do gesto do guarda e esculpiu-lhe um  peão tão perfeito que circulou... no Vá-Vá, de mão em mão, entre nós.
Como o devo anunciar, interrogava a Luísa Tiago de Oliveira no seu papel de moderadora? Como “o marido da Custódia” respondeu ele. Ela não fez caso e anunciou como devia ser, o Senhor Almirante Martins Guerreiro.  Depois, dentro da sua história, é que se desvendou esta de “o marido da Custódia”.  Custódia é a mulher de Martins Guerreiro, uma mulher de armas, que sobressaía nas reuniões de formação política e conspirativas dos oficiais da Marinha, ao lado da Pilar, mulher do comandante Contreiras, a ativista por excelência. Quando foram viver para uma nova zona em Algés ela que circulava no bairro mais que ele e, estimada e popular, ela era a Custódia e ele, um figura pública, um dos heróis nacionais do 25 de Abril, era simplesmente o marido da Custódia. Martins Guerreiro teve uma salva de palmas a meio das histórias que nos contava quando mostrou e leu a “Declaração de entrega dos ex-membros do Governo” acabado de derrubar pelo 25 de Abril, no Quartel General do Comando Territorial da Madeira. Quis-me parecer que o entusiasmo teria alguma coisa a ver com o momento político atual.

Por fim falou a Rita Veloso, a participante jovem que nos trouxe um testemunho diferente. Falou da prisão do Forte de Peniche mas de quem o conheceu aos cinco anos ao visitar o pai Ângelo Veloso membro do comité Central do PCP, preso em Peniche de 1968 a 1974.  Um momento hilariante foi quando testemunhou a existência da casa em Peniche de que falara Maria Emília Brederode Santos. Sim sim, eu lembro-me dessa casa. Lembro-me porque foi aí que aprendi a atar os atacadores dos sapatos. Trazia vários objetos de memória, um postal que o pai lhe escreveu e bilhetinhos do pai e as suas respostas, bilhetes que um pai preso por lutar pela liberdade escrevia à sua filha com cinco e seis anos.

Terminadas as exposições dos conferencistas seguiu-se um período de interpelações e outras conversas e outros objetos de memória de espontâneos.
A Maria Eugénia Varela Gomes, que eu só consigo tratar carinhosamente por Geninha, deu-nos a conhecer um baralho de cartas feito por 4 jovens raparigas, uma das quais ela própria, de papel de prata dos maços de cigarros, para empurrar o tempo a passar mais depressa.
Um dos momentos altos foi quando o João Caixinhas da direção do NAM manejou uma verdadeira espingarda, em tamanho natural e ao vivo, o seu “objeto de memória”. Em pé, de arma em riste, sobre a sala ondeou um movimento de corrida para a porta de saída felizmente contido a tempo. Mas que é isto? Para onde vão? Para onde vamos? Então não viram o sinal, vamos tomar o Palácio de Inverno o Palácio de S. Bento!. Calma, não é nada disso, não é sinal nenhum, aquilo é um canhangulo antigo, trazido de África, uma arma usada em antigas lutas rebeldes dos povos de Angola. Cá, pelo menos por enquanto, a nossa arma é a palavra e a consciencialização de que urge mudar de governo antes que a democracia e o país sucumbam.

Ciao. Até à próxima tertúlia. No Vá-Vá
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Nota: esta "ata" da 3ª tertúlia ainda não foi aprovada por isso estou a receber acrescentos e emendas. Eis a
1ª - Vejam só esta ternura de bilhetinho, este torrãozinho de açúcar, da Rita Veloso, aí por 1973, com os seus seis anos, que ela trocava com o pai nas visitas no Forte prisão de Peniche. 
 

2013/03/11

Para que a memória não se apague …

" Acordo de Londres sobre as Dívidas Alemãs | Entre os países que perdoaram 50% da dívida alemã estão a Espanha, Grécia e Irlanda.
"O Acordo de Londres de 1953 sobre a divida alemã foi assinado em 27 de Fevereiro, depois de duras negociações com representantes de 26 países, com especial relevância para os EUA, Holanda, Reino Unido e Suíça, onde estava concentrada a parte essencial da dívida.
A dívida total foi avaliada em 32 biliões de marcos, repartindo-se em partes iguais em dívida originada antes e após a II Guerra. Os EUA começaram por propor o perdão da dívida contraída após a II Guerra. Mas, perante a recusa dos outros credores, chegou-se a um compromisso. Foi perdoada cerca de 50% (Entre os países que perdoaram a dívida estão a Espanha, Grécia e Irlanda) da dívida e feito o reescalonamento da dívida restante para um período de 30 anos. Para uma parte da dívida este período foi ainda mais alongado. E só em Outubro de 1990, dois dias depois da reunificação, o Governo emitiu obrigações para pagar a dívida contraída nos anos 1920.
O acordo de pagamento visou, não o curto prazo, mas antes procurou assegurar  o crescimento económico do devedor e a sua capacidade efetiva de pagamento. 
 
O acordo adotou três princípios fundamentais:
1. Perdão/redução substancial da dívida;
2. Reescalonamento do prazo da dívida para um prazo longo;
3. Condicionamento das prestações à capacidade de pagamento do devedor.

O pagamento devido em cada ano não pode exceder a capacidade da economia. Em caso de dificuldades, foi prevista a possibilidade de suspensão e de renegociação dos pagamentos. O valor dos montantes afetos ao serviço da dívida não poderia ser superior a 5% do valor das exportações. As taxas de juro foram moderadas, variando entre 0 e 5 %.
A grande preocupação foi gerar excedentes para possibilitar os pagamentos sem reduzir o consumo. Como ponto de partida, foi considerado inaceitável reduzir o consumo para pagar a dívida.
O pagamento foi escalonado entre 1953 e 1983. Entre 1953 e 1958 foi concedida a situação de carência durante a qual só se pagaram juros.
Outra característica especial do acordo de Londres de 1953, que não encontramos nos acordos de hoje, é que no acordo de Londres eram impostas também condições aos credores - e não só aos países endividados. Os países credores, obrigavam-se, na época, a garantir de forma duradoura, a capacidade negociadora e a fluidez económica da Alemanha.
Uma parte fundamental deste acordo foi que o pagamento da dívida deveria ser feito somente com o “superavit” da balança comercial. 0 que, "trocando por miúdos", significava que a RFA só era obrigada a pagar o serviço da dívida quando conseguisse um saldo de divisas através de um excedente na exportação, pelo que o Governo alemão não precisava de utilizar as suas reservas cambiais.
EM CONTRAPARTIDA, os credores obrigavam-se também a permitir um “superavit” na balança comercial com a RFA - concedendo à Alemanha o direito de, segundo as suas necessidades, levantar barreiras unilaterais às importações que a prejudicassem.
Hoje, pelo contrário, os países do Sul são obrigados a pagar o serviço da dívida sem que seja levado em conta o défice crónico das suas balanças comerciais."
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2013/02/05

Homenagens é o que mais há

Já foi há uns anos, em 1999 que, para minha surpresa, fui contactado para estar presente numa homenagem que a Câmara Municipal do Cadaval pretendia me fazer no dia 25 de Abril. Cadaval é o município a que pertence a aldeia do Vilar, minha terra natal, onde passei a infância e parte da juventude, com os meus pais e a minha irmã Helena e que, salvo um intervalo por razões que a seguir explico, visito regularmente até hoje.
As razões da minha ausência de dez anos, os anos em que vivi na clandestinidade para lutar contra a ditadura fascista, foram conhecidas na minha terra após a revolução de 25 de Abril de 1974, mas por várias indicações algumas pessoas já sabiam ou desconfiavam por onde andaria.
Se o Cadaval ficasse no Alentejo a surpresa pela homenagem não seria nenhuma mas o Vilar e o Cadaval - lembram-se do assalto à sede do PCP do Cadaval em 1975, no verão quente, a seguir à de Rio Maior? - ficam numa região onde a influência salazarista e da Igreja (a do cardeal Cerejeira) predominavam e após 1974 as eleições eram ganhas quase sempre pelo PSD, partido a que se acolheram os caciques do Estado Novo, remoçaram o seu "look" e se tornaram  democratas da noite para o dia.
Desta vez a Câmara fora ganha pelo PS mas homenagens destas não eram, ali, propriamente atos eleitoralistas. É certo que entre conterrâneos de terras pequenas em que todos se conhecem os antagonismos partidários baixam armas perante as amizades ou comum respeito. Bem me recordo que no auge da crispação política do verão quente de 1975, num fim de semana que repetia mensalmente, alguns vizinhos e amigos mesmo os mais sintonizados com a educação recebida assente nos valores de Deus, Pátria e Família me diziam: ora se os comunistas fossem todos como tu! Fórmula bem conhecida para mostrar que entre vizinhos devem prevalecer as antigas boas relações.
Felizmente o relacionamento com os meus conterrâneos nunca sofreu com as minhas opções políticas. Nem enquanto fui militante comunista nem após o meu afastamento do PCP a partir de 1987.
Pude mesmo, em 1974, realizar na aldeia, de forma civilizada, uma sessão de esclarecimento do PCP, algo que ainda parecia surreal ou mesmo do domínio do escândalo. Para mais no salão paroquial. Talvez mais pelo insólito a enchente era previsível. A sessão decorreu com perfeito civismo. Lembro-me em especial como um vizinho e amigo, já falecido, sem partido e sem experiência politica mas com muita intuição e conhecimento das almas presentes me socorreu numa resposta em que eu teria sido  "politicamente muito mais correto" mas muito menos convincente.
Perguntaram-me da assistência:
- Então oh Raimundo o que é que me dizes ao milhão de contos que a Intersindical recebeu de Moscovo?
Só o apocalipse da palavra Moscovo dizia tudo sobre o Reino do Mal. Eu aprontava-me para negar tudo e denunciar com indignação a calúnia invocando razões e argumentos muito eficazes na sede do PC mas de total ineficácia ali. Da assistência o meu amigo Bino insistia e perante a minha pouca vontade em entregar a um neófito resposta de tanta responsabilidade ele insistia com veemência para que o deixasse responder. Contrariado dei-lhe a palavra. Bendita decisão.
- O Carlos, então Moscovo mandou um milhão de contos! É dinheiro, hein! Vê tu, um milhão. É dinheiro! Dinheiro que entra. Vê lá se a América faz o mesmo! Bom era que nos enviasse também um milhão de contos. Dinheiro que entra e tu estás contra!
O Carlos ficou sem resposta, a assistência que estava com o Carlos ficou sem argumentos e eu aprendi com o Bino, com a sabedoria local.

2013/02/04

O NAM no VáVá: "Notícias sem Censura"

Ata da tertúlia do NAM no VáVá, Conversas de Memória, em 2 de Fevereiro de 2013, sobre
“Notícias sem censura”

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Vá Vá… Vá Vá… VáVá… a Helena Pato tanto insistiu no Facebook para que fossemos que quando cheguei – e foi à horinha – já não havia cadeiras.  Simpáticos e com sentido apurado de hospitalidade (ou seria sentido comercial?) o empregado do VáVá foi acrescentando cadeiras e cafezinhos e assim consegui sentar-me.
Lá à frente, na mesa dos oradores convidados  estavam:  à esquerda –  a bem dizer à extrema esquerda! –  o  Sebastião Lima Rego, uma estrela, no tempo próprio, do MRPP, a seu lado estava a Margarida Tengarrinha uma mulher que foi durante muitos anos dirigente do PCP, viveu clandestinidades e sofreu o assassínio do companheiro pela PIDE, o artista e revolucionário – Dias Coelho. A seu lado estava o Manuel Alegre que ainda estava só à entrada do VáVá porque lhe apontaram um microfone das televisões para uma declaração não certamente sobre o tema da tertúlia mas sobre a trapalhada do António Costa que avançou para Seguro mas afinal não avançou e não se sabe se ainda avança ou já não avança.
A sala estava muito bonita porque estava lá a Teresa Dias Coelho que é pintora e filha da Margarida Tengarrinha que também é artista plástica, porque estavam lá as mulheres quase todas dos órgãos sociais do NAM, a Helena, a Maria Manuel, a Manuela Almeida, porque estava lá representada a Justiça na pessoa do Juiz Macaísta Malheiros,  a Ciência na pessoa do investigador José Manuel Tengarrinha, a poderosa classe dos jornalistas com o Daniel Ricardo e o António Melo, a universidade com o Zaluar, a extinta Ação Revolucionária Armada com o António João Eusébio, a comunidade judaica na pessoa da Lucia Ezaguy. Pessoas ilustres eram quase todas como o ex-provedor do Telespectador da RTP, José Carlos Abrantes e até o homem da rua estava representado por quem, com espírito missionário, vos oferece esta notícia.
A presidente do NAM abriu “As conversas de memória” explicando que o assunto era “Notícias sem Censura” e ofereceu a palavra ao moderador  Miguel Cardina, universitário e escritor, um esteio do NAM em Coimbra que veio de propósito para esta nobre missão e nos mostrou como bem se dirige uma tertúlia de sedutoras memórias. Para no-las revelar ali estava o Manuel Alegre que nos relembrou o que foi a Rádio Voz da Liberdade, órgão da Frente Patriótica de Libertação Nacional, sediada em Argel, de como ela foi importante para furar o muro da censura fascista e oferecer aos Portugueses o que Salazar lhes escondia. Revelou como guardou num cantinho privilegiado da sua memória a entrevista que fez a um dos homens maiores do continente africano, o grande dirigente do PAIGC e grande amigo de Portugal Amílcar Cabral, assassinado às ordens da PIDE. Enalteceu ainda a grande ajuda do governo argelino e o seu exemplar relacionamento com a oposição portuguesa sem o mais pequeno sinal de interferência ou instrumentalização da sua atividade no seu solo pátrio. Referiu além de Boumedien outra das maiores figuras de África, Ben Bela, o primeiro presidente da Argélia libertada.
A Margarida Tengarrinha discorreu a seguir sobre a Rádio Portugal Livre, a voz do PCP, difundida a partir de Bucareste e lembrou que as suas emissões tiveram início em 12 de Março de 1962 e antecederam as da RPL. Explicou que o “camarada Álvaro Cunhal” teve um papel primordial na origem da RPL e também em negociações em Argel  e, já se sabe, “ o Álvaro” foi a alma de muitas outras coisas. A Margarida referiu e sublinhou várias afirmações anteriores de Manuel Alegre correspondendo assim à amistosa intervenção deste.
No tu cá tu lá com os oradores a assistência lembrou como pelo Alentejo dos latifúndios antes de fechar negócio na compra de um radiozito o compadre inquiria se ele apanhava a rádio Moscovo Moscavide ou, noutras versões o comprador certificava-se se o rádio apanhava aquele posto com “a voz da menina”. A “menina” era a Veríssima Rodrigues, a “camarada” da RPL que tinha uma belíssima voz, cativante e subversiva.
Da assistência outros lembraram como os apaniguados da “Situação” amedrontavam quem queria ouvir a RPL, a RVL, a Rádio Moscovo ou mesmo a menos perigosa BBC, na banda das ondas curtas cheia de agudos e indiscretos rugidos, dizendo que as polícias tinham aparelhos para detetar quem as sintonizasse.  Mas não há veneno que não dê origem ao seu antídoto e o pessoal do contra logo anunciou o remédio: basta pôr um copo de água em cima da telefonia. E assim muitos faziam e já sem medo.
As conversas sobre as rádios clandestinas provocaram-nos uma grande vontade de mais um cafezinho, mais bolos e torradas e deram lugar ao intervalo com mais beijinhos e abraços aos que chegaram depois.
 
A imprensa clandestina veio a seguir e foi a vez de Sebastião Lima Rego evocar o papel do “ Luta Popular”, órgão oficial do MRPP, do seu trabalho nesta frente de agitação, numa excelente exposição que prendeu a atenção dos presentes.  Disse-nos que o jornal clandestino chegou a ter uma tiragem de 10 ou 12 mil exemplares. Falou-nos da distribuição clandestina e trouxe ali, da história do MRPP e do “Luta Popular”, entre outros, os nomes de Saldanha Sanches e Fernando Rosas.  Sobre imprensa clandestina foi de novo a vez de Margarida trazer à nossa presença a história do “Avante” órgão central do PCP que venceu sem desfalecimento a barreira das polícias políticas da ditadura durante 43 anos de clandestinidade. Revelou o papel essencial das tipografias e dos tipógrafos escondidos na clandestinidade que garantiram essa proeza por vezes à custa da própria vida como foi o caso de José Moreira morto na PIDE. Referiu ainda a figura de Maria Machado e de Joaquim Rafael que começou pela distribuição clandestina e depois de aprender a ler e a escrever, já clandestino, foi tipógrafo 25 anos em 30 de clandestinidade.
 
Foi então a vez de José Hipólito dos Santos, presidente do Conselho Fiscal do NAM no anterior mandato e antigo e destacado dirigente da LUAR  (Liga de Unidade e Ação Revolucionária). Eu ouvia, ouvia e esperava a todo o momento que caísse o Carmo e a Trindade se, é claro, me reportasse a 40 anos atrás.
É que o Hipólito, ao contrário do bom comportamento de Manuel Alegre, Margarida Tengarrinha e Sebastião Lima Rego que olvidaram compassivamente tudo aquilo que pudesse trazer à memória as assanhadíssimas guerras que no passado os envolveram em barricadas opostas, ao contrário, dizia eu, o Hipólito começou ali, em plena tertúlia sobre “Notícias sem censura”, com um tiro de bombarda mais estrepitoso que os dos trons com que Nuno Álvares assustou os castelhanos em Aljubarrota: “Curiosamente - disse ali o José Hipólito - o NAM convidou representantes da Rádio Portugal Livre e da Rádio Voz da Liberdade e do Avante, órgãos onde se exercia uma feroz censura contra tudo o que não fosse de iniciativa do PCP ou da FPLN que ele controlava”. E depois prosseguiu indo lá trás ao anarco-sindicalismo e mais próximo à sua LUAR.
Talvez por estarmos em pleno campo de batalha com o inimigo comum à vista (refiro-me ao governo dos mercados, aos Passos , aos Relvas, aos Gaspares, aos Moedas e aos Borges) ninguém desembainhou a espada para terçar armas no VáVá  e a tonitroante crítica foi recebida com uma cordata bonomia e a intervenção do Hipólito apanhou tantas palmas como as outras.
Afinal a intervenção do Hipólito foi como que a cereja no bolo na “conversa” do NAM sobre “Notícias sem censura”.
A Helena Pato, presidente da direção do NAM, está de parabéns pois conseguiu pôr a conversar pessoas que há 30 ou 40 anos seriam tratados uns como sociais-fascistas e outros como agentes da CIA.
Mas as surpresas não terminaram aqui, já perto do fim vejo aproximar-se da entrada um sem-abrigo, espreitava, hesitava quando a meu lado alguém lhe aponta o dedo e sonoramente anuncia “é o Ulrich, é o Fernando Ulrich!”. De facto balbuciava "ai aguenta aguenta" mas não consegui confirmar. Se de facto era ele terá concluído não se tratar de nenhuma reunião de banqueiros "sem-abrigo" e afastou-se.
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Caros amigos a ata não só não foi submetida a aprovação como qualquer  eventual imparidade (imparidade… hum…? Soa bem!) entre o que digo e a realidade é, sem dúvida, culpa desta.
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